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Bebida

Doze xícaras de café direto do supermercado

A procura dos consumidores por grãos melhores incentivou as grandes torrefadoras a melhorar a qualidade de seus produtos e lançar linhas intermediárias entre o tradicional café rotineiro e o de microlotes usados por baristas

Doze xícaras de café direto do supermercadoFoto:

Café de supermercado pode ser bom. O melhor café de sua vida dificilmente estará em uma gôndola das grandes redes de varejo, mas a bebida de combate, aquela coada com pressa e com notas de sonolência pela manhã, já é melhor do que era – embora possa ainda melhorar.

Não é porque existe a complexidade de aromas dos microlotes de grãos de origem moídos na hora que se deva abandonar totalmente o café torrado, moído e vendido em supermercado. Há muita coisa nas prateleiras: são cerca de 580 rótulos, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). Algum há de ser bom.

 

FOTOS: Fernando Sciarra/Estadão

A procura dos consumidores por grãos melhores incentivou as grandes torrefadoras a aprimorar a qualidade dos seus produtos e lançar linhas intermediárias entre o café rotineiro e o de baristas.

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O Paladar foi a campo para avaliar rótulos das classificações superior e gourmet – categorias criadas pela Abic para classificar os cafés de seus associados – de grandes marcas das gôndolas. Reunimos 12 rótulos de supermercado para serem preparados e bebidos por especialistas. Participaram da prova Flávia Pogliani, do The Little Coffee Shop, Paulo Filho, do King of the Fork, e o barista Tiago Nego (veja a prova ao lado).

Tradicional ou gourmet? Café de supermercado está classificado pela Abic em três categorias: tradicional, superior e gourmet. No tradicional, evita-se (mas não se proíbe) o uso de grãos defeituosos – que pioram o gosto da bebida – e não há limitação para o uso de robusta, espécie que serve como base, mas, em geral, não tem expressão aromática relevante – só dá corpo e muitas vezes amargor.

Para pertencer à categoria superior, o café deve ser composto predominantemente de arábica, com no máximo 10% de grãos defeituosos, e se tiver robusta como base, que seja de melhor qualidade que o do tradicional. Por fim, o gourmet tem obrigatoriamente 100% de arábica, sem frutos defeituosos.

Entre as marcas associadas da Abic, há 296 rótulos na categoria tradicional, 130 na superior e 151 gourmets. (E, para se diferenciar dos gourmets da Abic, baristas que vão à caça de grãos diretamente nas fazendas, cuidando da torra e da moagem, passaram a chamar seus produtos de “especiais”.)

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Forte e encorpado. As grandes torrefadoras investem para manter o padrão do café no gosto do brasileiro, “forte e encorpado”, segundo Gilberto Nogueira, responsável pela qualidade e desenvolvimento da Três Corações.

Mas nosso café é assim por que a gente gosta ou a gente gosta assim por que é o que tem? “Eu diria que o brasileiro gosta de café forte, encorpado e amargo, com bastante robusta”, diz Ricardo Souza, da Master Blender, fabricante do Pilão, que em 2013 pôs no mercado o Pilão Aroma e o Aroma Nobre, de qualidade superior. “O café superior é um produto acessível, não tem a intenção de ser supergourmet. A ideia é levar um sabor mais refinado ao consumidor comum.”

Do total de venda das grandes torrefadoras, apenas 10% não são da categoria tradicional, que no bolso custa em média 30% mais barato que o superior e menos da metade do gourmet. Ainda que o consumidor tenda a buscar novos sabores, o preço continua a ser o fator mais impactante na compra, argumentam as empresas. João Michaliszyn, da Melitta, acredita no potencial pedagógico dos cafés superiores para superar as noções de fraco, forte e extraforte ao escolher o que levar para casa. Há sete anos, a empresa pôs no mercado a série Regiões, com matéria-prima do sul de Minas, Cerrado e Mogiana. “Lembro de que em alguns casos era preciso ter cuidado quando falávamos de acidez porque o consumidor poderia achar que aquilo é uma coisa ruim.” Não é. “É um trabalho de formiguinha levar esse conhecimento ao público.”

Casual técnico. No café de casa feito por barista, sai o instinto, entra a precisão. Água mineral e alcalina para não potencializar os azedos da bebida e sempre a 94°C, “para extrair o que precisa dos sólidos solúveis (que dão gosto e aroma), nem a mais, nem a menos”, explica Flávia Pogliani. Seguindo recomendações das embalagens, os provadores deixaram de lado as colheradas indicadas e definiram a quantidade em peso, 13g (uma colher cheia) de pó para 100 ml de água para uma bebida concentrada. Doze extrações depois, o veredito: o café de supermercado ainda pode melhorar.

Café do centro

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É a marca com mais oferta de rótulos nos supermercados visitados. Na linha Especial de Origem, classificada como gourmet, tem grãos vindos das principais regiões cafeeiras do Brasil (Bahia, Espírito Santo, Cerrado mineiro, sul de Minas, Mogiana e Paraná). Aposta no terroir característico dos lugares, mas na xícara, o terroir mais notado, infelizmente, foi o das prateleiras: cafés sem a potência aromática característica de grãos frescos.

No teste realizado às cegas, quase todas as vezes que os rótulos da marca foram provados, ouvia-se a mesma queixa: “Está cansado”.

Mas, delineados os defeitos, vamos às qualidades. Alguns rótulos fizeram bonito. Surpreendeu com o aroma doce as amostras Cerrado mineiro e Mogiana. O Paraná fez bem com o cheiro de amendoim.

É o tipo de café para quem gosta de bebidas com menos corpo e de quem se interessa por garimpar aromas, buscando raras notas de frutas, especiarias, amêndoas e condimentos. É um salto livre para quem quer sair da potência do café trivial, mas curto para quem quer a complexidade dos especiais. Em geral, tinham gosto adstringente, corpo médio para baixo e pouca expressão.

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Paraná: é um café sisudo, pá, pum, sem muito a revelar. Tem aromas de castanha e palha e, se acompanhado de um doce, pode melhorar.

Sul de Minas: é daquele jeito come quieto. Cheira doce, mas fala pouco à língua nesse quesito. Acidez média e final azedo, com gosto de remédio para dor de cabeça.

Cerrado mineiro: o melhor dos seis. Para quem gosta de café cítrico e com aromas de frutas. Mais favorável às canecas que às xicrinhas, com um pedaço de bolo ou bolacha amanteigada devorada em sequência.

Bahia: equilibrado em doçura e amargor, não é uma festa dos sentidos e intriga mais pelo paradoxo “muito corpo e finalização instantânea” que pela complexidade.

Espírito Santo: o cheiro de terra que sai das xícaras faz o bebedor ser transportado para as fazendas capixabas. Levemente ácido e muito adstringente, pede um bolinho de roça, sem recheio ou sabor além da combinação açúcar, farinha e ovos.

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Mogiana: para aprender sobre doçura natural dos grãos. Cheiro de frutas amarelas e doçura ácida que lembra melado. Com ele o gole começa bem, mas evolui mal.

Melitta

 

A base é de robusta vindo de várias regiões produtoras. Das regiões estampadas no rótulo vêm os grãos de arábica que mudam os sabores e aromas de cada rótulo (em proporção não revelada pela empresa). Se você é um desses que gosta de passar por todas as etapas evolutivas do paladar até chegar aos aromas e sabores complexos, estes cafés vêm a calhar. Podem não explodir de sabor, mas desempenham bem o papel a que se propõem: ser um café melhor que o do dia a dia, sem a pretensão – e preço – dos especiais.

Sul de Minas: foi o melhor entre todos os provados. Aroma doce, com algo de noz-moscada e frutas. Acidez média e corpo ideal para quem gosta de beber café em quantidade. Para entrar na moda do café gelado sem gastar muito com matéria-prima. Final agradável e instantâneo.

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Mogiana: doce e amendoado, é levemente ácido e desaparece tão rápido da boca que não deixa traumas nem ótimas lembranças. Amargor médio para não estranhar o salto do café tradicional para o superior.

Cerrado: não se saiu muito bem na degustação. Aroma fraco e defeituoso.

3 corações

 

A estrada que batiza o rótulo corta alguns dos Estados produtores, porém os grãos usados vêm exclusivamente do sul de Minas, maior região produtora de cafés de qualidade do País. De lá, esperam-se frutos encorpados levemente cítricos, sabores ácidos e aromas frutados. No blend deste café da Três Corações os grãos são 100% arábica, mas ele é um café superior e não gourmet, porque sua matéria-prima são justamente aqueles grãos que poderiam ser espetaculares e, por um acaso climático, negligência ou deficiência produtiva, não se tornaram o que se esperava deles e tiveram pontuação menor na avaliação da Abic. Sua torra é média clara e por isso, deveria acentuar o que a região oferece de melhor, dando uma bebida aromática; mais ácida que amarga. Na xícara, não mostrou quase nada do que poderia ser.

Três Corações Estrada Real: sem muito cheiro, sem muito corpo e com muito amargor. É um café tradicional com defeitos diluídos e um superior com defeitos demais. Entre os provados, foi o que menos encantou. Tinha cheiro de palha, acidez e doçura inexpressivas. Faz a linha revolução sem mudanças.

Pilão

 

A marca se vende como o café forte do Brasil e faz jus ao que propõe. Seu café tradicional é forte e encorpado, faz o milagre da multiplicação dos cafezinhos e tem fãs entre os que gostam de bebidas intensamente amargas. No segmento superior, mantém a coerência do café tradicional, com dois rótulos de mesma intenção, com intensidade e corpo da bebida mais contidos. Lançado inicialmente em 1978, o Pilão Aroma sumiu das prateleiras e voltou à linha de produção em 2013, com a reedição do Aroma Original e o lançamento do Aroma Nobre. São cafés para pessoas duronas – “forte e amargo como o pecado”, como Philip Marlowe gosta de pedir – e de intenções refinadas.

Aroma Original: era a torra mais escura dos cafés. Talvez por isso, o cheiro de queimado e cinzas. Doçura baixa, corpo médio para baixo e finalização persistente. Bom para quem gosta de café adoçado, mas com amargor persistente, que fica na boca depois de minutos do último gole.

Aroma Nobre: é quase o repeteco do Original, mas com menos potência no amargor e corpo. Vai melhor sem açúcar, mas é bom ter um doce bem doce ao lado.

O que faz de um café um bom café?

 

Cafés de supermercado ainda podem melhorar. Passam longe da complexidade dos de barista – normalmente produzidos com frutos de qualidade excepcional e torrados em pequenas quantidades dias antes de serem consumidos –, mas estão bem melhores do que há alguns anos.

Bons cafés devem ter doçura natural, aroma complexo e vivo, corpo, acidez (não o azedume que faz contrair as bochechas) e não devem ser amargos.

As grandes empresas entregam um café como dizem que o brasileiro gosta. “Forte não significa ruim. Tem um ponto de torra mais acentuado e um corpo mais intenso”, explica Nathan Herszkowicz, da Abic.

Para comprar melhores cafés, observe na embalagem a data de validade: quanto mais próximo estiver do limite de consumo, mais riscos de levar um pó deteriorado pelo tempo – na prova com os cafés de supermercado (leia ao lado), a sensação mais recorrente foi a de beber velharia. A indústria se defende. “É o hábito de quem prova. O gosto de velho é uma sensação do provador que não representa a tecnologia da indústria, que embala o pó normalmente a vácuo para retardar justamente o envelhecimento. A tendência desse provador acostumado a cafés especiais é minimizar as qualidades (do industrial)”, argumenta a Abic. A cor do pó também é importante. Grãos de qualidade perdem características quando supertorrados e os defeitos ficam camuflados pelo amargor. Prefira pós com coloração mais para o marrom do que para o preto. Quanto mais escuro for o pó, mais amarga e adstringente ficará a bebida.

A moagem também é importante. Pós com granulagem de talco devem ser evitados porque favorecem a extração de muitos dos sólidos solúveis responsáveis pelo amargor.

O mais importante, contudo, ainda é a matéria-prima. Com grãos 100% arábica, a bebida tende a ter menos corpo e mais complexidade. Será mais doce e ácida, mas pode não ter aquele corpo denso. Depois de aberto, não tire o café da embalagem. Os invólucros são desenvolvidos para manter a qualidade do produto. Conserve o pó longe da luz e calor e tente usá-lo o mais rapidamente possível.

O café ruim virou pó

 

A história de todo café bom ser exportado e ficarmos com o ruim “é uma página virada”, diz Nathan Herszkowicz, da Abic. Em 2014, o Brasil consumiu 20 milhões de sacas do grão. Dessas, 18 milhões serviram de matéria-prima para cafés tradicionais e superiores e 2 milhões para cafés gourmets. Da produção, 60% ainda é exportada, mas, nos últimos anos, bons grãos também ficaram por aqui. “Existe uma busca por diferentes tipos de qualidade de café. É um mercado pequeno, mas promissor”, avalia João Michaliszyn, da Melitta.

Maior produtor mundial de café de qualidade, é no Brasil que todas as grandes empresas do mercado mundial compram a maior parte da sua matéria-prima.

A oferta das gôndolas melhorou não só em número de rótulos, mas na qualidade dos produtos. Ainda que pareça o lobo cuidando dos cordeiros, a indústria realiza testes regulares para a avaliação do que produz e, desde 2004, a Abic acompanha a qualidade das marcas disponíveis no Programa de Qualidade do Café, que além de estabelecer as categorias tradicional, superior e gourmet, monitora os produtos dos afiliados com testes regulares em laboratórios de prova. Se não atenderem aos critérios da Abic, os cafés não recebem o selo de qualidade.

Plantio e colheita também melhoraram. Boas práticas deixaram de ser exclusividade de pequenos produtores forjados com instruções dos baristas.

Em busca de preços mais altos e de negociações fora da bolsa de valores, produtores se esforçam para não estragar aquilo que o cafezal levou meses para produzir. O reflexo disso está na infinidade de concursos de qualidade Brasil afora.

Os louros da melhora também são crédito dos consumidores. “Há um fato que vale destacar sobre a mudança do consumo dos brasileiros. Antes, as licitações para compra de cafés, principalmente as públicas, eram focadas somente no menor preço de um produto criticável. Hoje, muitas determinam a nota mínima (do produto)”, diz Herszkowicz. A Cidade Administrativa de Minas exige nota mínima de 7,3 da Abic para comprar o café para a sede do governo do Estado.

Grãos especiais puxaram a qualidade dos produtos intermediários vendidos em supermercado. Ainda que sua próxima xícara não seja de um microlote torrado grão a grão por um barista, a xícara do dia a dia está mais diversa do que já foi.

O bem coado

 

1. Respeite a proporção de pó para o volume de água indicado nas embalagens2. Evite a água direto da torneira. Se possível, use mineral, mas a filtrada vem a calhar3. Com o café no coador, dê batidinhas no suporte para acomodar o pó de maneira mais uniforme4. Derrame só um pouquinho de água para molhar o pó até que algumas gotas comecem a cair. Espere estancar5. Despeje o restante da água continuamente em movimentos circulares e espere a extração se completar

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 29/1/2015

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