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Nestes vinhos portugueses, a terra vale mais que a casta

Os rótulos da Quinta dos Murças, no Douro, que chegam ao Brasil em março, são vinhos com foco na região em que suas uvas crescem

Na primeira vez em que encontrei o português José Luís Moreira da Silva, que assina os vinhos da Quinta dos Murças, ele afirmou que ficaria feliz se fosse conhecido, daqui a algumas décadas, como o enólogo que não deixa marcas. De maneira quase existencial, disse ao modo português e em meio a uma ventania no Cima Corgo que “gostava de desaparecer”. Essa ideia ele já começou a por em prática e pode (não) ser vista nos três rótulos que chegam em março ao Brasil: Margem, Minas e VV 47. 

São vinhos com foco objetivo na região em que suas uvas crescem a começar pelo nome. Neles, vale mais a terra que a casta e a atuação da vinícola é tão precisa quanto discreta, como se mostrassem uma nova cara do Douro – mais um entoar o hino dos vinhos de terroir? Os três, importados pela Qualimpor, foram lançados em Portugal em outubro e, em novembro, esgotaram. 

  Foto: Divulgação

O Minas (R$ 149, preço estimado), por exemplo, é feito com frutas que crescem com intensa exposição ao sol em vinhas de até 30 anos vizinhas às cinco minas d’água que abastecem a quinta. A vinificação tratou de transportar para a garrafa as características que esse ecossistema concede: frescor e explosão de fruta. 

O Margem (R$ 420), uma seleção de uvas de baixa altitude cultivadas às margens do Douro, é o “cavalo selvagem” do grupo, de alta concentração, apesar da pouquíssima extração (apenas quatro horas de pisa a pé em lagares), e impacto imediato, com sua acidez altíssima e seus taninos “extrovertidos”, além dos 14,5% de álcool.

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Por fim, há o VV47 (R$ 790), o ícone da casa. Mas, note, aqui “ícone” não se aplica à ideia duriense: sai a potência tradicional da região e entra uma elegância que a casa quer impor como marca. O nome faz referência à vinha vertical de 1947, sistema que não só caiu em desuso como foi proibido quando a região foi tombada pela Unesco. Mas, segundo Zé Luís, é a verticalidade que dá graça e cara ao vinho, por aproveitar melhor a luz no amadurecimento da fruta e o vento como condutor de frescor e aliado contra pragas e fungos. “A verticalidade é a nossa identidade e queremos replantar videiras deste modo”, diz o enólogo, em prova em São Paulo, emendando que se for preciso brigará na Justiça para obter a liberação.

Com tanta determinação, fica difícil crer que o enólogo à frente de um dos mais audaciosos projetos do Norte de Portugal pode, simplesmente, tornar-se invisível.

AS VINHAS VERTICAIS DA QUINTA DOS MURÇAS

As vinhas verticais da Quinta dos Murças, localizadas na região mais central do Douro, na sub-região do Cima Corgo, destoam de toda a paisagem local. Lá, por (quase) toda a parte, os vinhedos são plantados em patamares horizontais, os chamados socalcos, que se organizam uns sobre os outros formando um visual célebre e único. 

José Luis Moreira, enólogo Quinta dos Murças Foto: Divulgação

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Mas na Quinta dos Murças, isso não importa, a verticalidade, muito popular em outras margens de rio, como na do Mosel, na Alemanha, é que é a vedete. E o resultado disso, os que visitam podem sentir, é uma ventania selvagem capaz de levar tudo o que não se agarra firme nas mãos e de emitir o som que batiza a linha de entrada da casa, a Assobio. 

“Sou um grande defensor das vinhas verticais e de diferentes castas plantadas juntas. Elas se tornam mais equilibradas e as raízes se grudam mais ao solo, descem mais, ficam mais profundas, causando menos erosão”, afirma o enólogo José Luís Moreira da Silva.

Fundada em 1714 e comprada em 2008 pelo grupo Esporão em 2008, a Quinta dos Murças lançou seus primeiros vinhos em 2010. Naquela época, eram elaborados pelo enólogo-chefe da casa alentejana, o australiano David Baverstock, responsável pela reforma da vinícola em 2011 em estilo simples e eficiente, ou “australiano”, como sugeriu José Luís. Lá, são utilizados lagares de pedra com pisa a pé por não mais que quatro horas, grandes cubas de concreto e barricas de carvalho francês sempre usadas. “Eu os compro e os empresto ao Esporão quando novos. Eles usam para vinificar seu Private Label branco e me devolvem do jeito que eu gosto. Não quero odorizar os vinhos”, afirma o enólogo no grupo há dois anos.

Há pouco menos de um ano, a propriedade foi escrutinada por um grupo de franceses do Loire que vaticinaram a existência de oito terroirs distintos. Pode-se esperar, portanto, novos vinhos que explorem as características de cada um deles e de minúcias de parcelas específicas.

Além dos três lançamentos, a Quinta dos Murças tem no Brasil seus três vinhos de entrada Assobio (branco, tinto e rosé), o Reserva e vinhos do Porto.

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