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Suzana Barelli

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Le Vin Filosofia

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Quando o rótulo fala mais alto

Restaurante em Nova York troca, sem querer, o vinho mais caro da carta pelo mais barato; clientes, mesmo de cientes da confusão, saem satisfeitos

A cena aconteceu no restaurante Balthazar, em Nova York. Em uma mesa, um grupo de investidores pediu o vinho mais caro da carta, o Château Mouton-Rothschild 1989, vendido a US$ 2 mil. No mesmo salão, um jovem casal escolheu o rótulo mais barato do menu, elaborado com a uva pinot noir. Os dois vinhos foram decantados (por mais que não tenha lógica decantar um pinot noir genérico). E, por um erro, o sommelier trocou os vinhos no momento de servir. A história está no próprio instagram do restaurante.

O jovem (e sortudo) casal ficou com o “despretensioso” Château Mouton-Rothschild, um dos cinco Premier Grand Cru de Bordeaux, a classificação mais alta para os tintos bordaleses. Beberam um tinto elaborado com as uvas cabernet sauvignon e merlot, já com notas de evolução, pela sua safra, complexo e longevo.

Errar é humano: para evitar trocas, peça ao sommelier que decante seu vinho na própria mesa. 

O grupo de amigos degustou um tinto mais simples, leve e frutado e, segundo o restaurante, elogiou o seu frescor. As duas mesas gostaram do vinho que provaram, mesmo quando foram avisadas da troca pelo restaurante, que não cobrou pelas garrafas.

Há várias lições desta história. A primeira, válida para os investidores, é que o rótulo não é tudo e eles podem ser felizes com vinhos mais simples (como, aliás, foram no jantar). Lembro de uma história contada pelo Manoel Beato, sommelier do grupo Fasano. Logo depois de o publicitário Duda Mendonça presentear o então presidente Lula com uma garrafa do Domaine de La Romanée-Conti, cresceu a quantidade de clientes que pediam este tinto, um dos ícones da Borgonha. Com um detalhe: muitos pediam o vinho, mas não tomavam a garrafa até o final. Complexo e sútil, o Romanée-Conti não agrada a todos os paladares. Sorte da brigada do restaurante, que terminava a noite com o que restou nas garrafas.

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É por isso que eu gosto tanto das degustações às cegas, quando provamos sem saber qual é o vinho que está na taça. O rótulo influencia, e muito. A prova às cegas nos pega muitas peças, de pontuar mais baixo aquele vinho que a gente mais gosta; de apostar que é um vinho, mas é outro. Enfim, é uma degustação que nos deixa mais humildes. E, claro, nos deixa muito felizes quando acertamos qual o vinho, a uva ou a região.

Na história do restaurante nova-iorquino, muito provavelmente um especialista perceberia a troca, se provasse prestando atenção e sem se impressionar com o rótulo famoso. Cabernet sauvignon e pinot noir são uvas de perfis muito diferentes, e um era de uma safra recente, o outro tinha mais de 30 anos na garrafa. Mas isso são para os críticos de vinho. O consumidor pode, muito bem, não saber diferenciar estas uvas e estilos. Talvez os investidores estivessem provando um grande vinho de Bordeaux pela primeira vez.

O que leva a outra lição desta história, que é a oportunidade de beber o que se gosta e o que se pode (ou quer) pagar. Nesta quarentena, cresceu muito o consumo de vinho em casa, principalmente daqueles mais baratos. Pedindo o vinho do delivery do restaurante ou comprando em lojas online, não há a necessidade de mostrar para a mesa ao lado o que estamos bebendo.

Vai ser muito bom se, quando acabar a quarentena, os consumidores se lembrarem disso. Ah! E se escolherem um vinho mais complexo no restaurante, não custa nada pedir para o sommelier decantá-lo em sua própria mesa. Afinal, às vezes as pessoas se confundem, até no serviço do vinho.

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