Vinhos mexicanos? O artigo de Asimov era sério, porém esqueci do assunto. Parecia remoto demais e a chance de um dia beber tais líquidos, inexistente.
Garrafas, porém, viajam. Nesta quinta, 1, e sexta, 2, Dia de los Muertos, o restaurante Obá mantém o festival de cardápio harmonizado com os tais vinhos – que vem acontecendo desde outubro. Minha curiosidade se reacendeu. Fiz o dever de casa e entendi o elogio do crítico nova-iorquino. Bastava olhar o mapa e ler os rótulos, a chave está lá: é a denominação de origem Baja California. Uma longa tripa de terra que avança sul abaixo no Pacífico. Califórnia, México, mesmas condições climáticas dos nomes mais familiares de Napa Valley – Sonoma, Carneros. Solo árido, brisas frias do oceano, montanhas protetoras, calor intenso diurno, queda brusca de temperatura noturna. E a mesma história: missionários espanhóis trazendo uvas em séculos passados, o declínio da produção, a retomada no século 20.
Os vinhos que provei são da vinícola Santo Tomás, que tem 125 anos. Fica, como o nome diz, no Valle de Santo Tomás, e tem aquela liberdade do Novo Mundo de plantar o que quer. O clima é mediterrâneo, o solo granítico e as uvas uma mistura de Rhône e Espanha, com inesperadas presenças, como a Colombard, uva de conhaque, fazendo um bom vinho colheita tardia.
Ainda não há importação no Brasil. As garrafas foram trazidas para o festival, com as combinações assinadas pelo sommelier mexicano Elliot Díaz, e são servidas como cortesia com o cardápio (idealizado pelo chef Gerardo Lugo, do Nicos, da Cidade do México). São vinhos cedidos pelo produtor e pela embaixada para os festejos pátrios, portanto, não comercializados. Não há outro jeito de bebê-los ou comprá-los. Espero que algum importador se interesse pelos brancos e pelos de sobremesa.
Não sei do futuro mexicano no mapa dos vinhos. A produção é pequena, o consumo interno é baixo, mas crescente, embora o vizinhão do norte engula grossa fatia. Quer dizer, não vai sobrar para cá. Talvez seja a única oportunidade de prová-los. Eu gostei, especialmente dos doces. E Viognier me encantou. Previ que essa ia ser a uva branca da moda, pois tem densidade e corpo, é uva de calor, com bons exemplares na Argentina, Chile e Brasil, e como sempre nas minhas previsões, dei com a taça no chão: não cresceu nem o plantio nem o conhecimento sobre ela.
Uma ressalva é que o Valdepeñas Tardo não está no cardápio, mas há outros que não provei, como o Sauvignon Blanc e o Merlot. Ah, para quem está pensando “que casta Valdepeñas é essa, afinal?”, a resposta é simples. Foi o nome com que a Tempranillo chegou às Américas, trazida pelos jesuítas espanhóis, da região homônima…
Tardo Colombard – Muito Bom Curioso ver uma uva tradicionalmente destilada para conhaque e armagnac usada em um vinho de colheita tardia. Aproveitando-se de sua acidez, funciona melhor com a doçura do que na versão tinta do Tardo Valdepeñas
Viognier – Muito Bom Aroma floral, bem típico. Na boca é longo, boa acidez, bem feito, sem os riscos que a uva oferece, de amargo final ou excesso de álcool. É engraçado e muito mexicano que o contra rótulo diga ‘perfume de gardênia’
Tardo Valdepeñas – Bom Atraente no nariz, exuberante, quase geleioso. Na boca, peca na baixa acidez frente à doçura. Bom para quem gosta de Pedro Ximenez, parece um pouco um jerez doce. Vai bem com sobremesas de chocolate
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