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Comida

A história do virado à paulista

O prato oficial da segunda-feira em São Paulo é uma refeição completa, criado na época das bandeiras que desbravaram o estado

 . Foto: TordesilhasFoto: Tordesilhas

Histórias da Mesa

O mais antigo prato puro-sangue da cozinha paulista é o virado. Foi criado na época das entradas, bandeiras e monções, no Brasil Colônia. “Estudei o virado à paulista”, diz o escritor gastronômico português Virgílio Nogueiro Gomes, autor do Tratado do Petisco e das Grandes Maravilhas da Cozinha Nacional (Marcador Editora, Lisboa, 2013). “Deve ter influência portuguesa, mas não há receita lusitana que se pareça com ele. Lembra vagamente nosso bife com ovo a cavalo, porém este surgiu mais recentemente, nos cafés de Lisboa."

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Os paulistas se deleitam com a “sustança” e o sabor de seu prato tradicional. Alguém já estimou em 500 mil o número de virados preparados semanalmente só na capital do Estado. A receita atual manda refogar o feijão já cozido em cebola, alho e gordura; acrescenta-se sal e um pouco do próprio caldo do feijão ou de água; mexe-se com farinha de milho ou de mandioca; serve-se acompanhado de bisteca ou costeleta suína frita; linguiça frita; banana empanada e frita; ovo estrelado, de preferência com a gema mole; couve cortada em tiras e refogada na gordura; torresmo feito na hora, ruidosamente crocante; e arroz. Na prática, o virado é uma refeição completa.

  Foto: Tordesilhas

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Confira a receita do virado à paulista

Surgiu espontaneamente, para alimentar os bandeirantes, como denominamos os membros das entradas, bandeiras e monções. Em suas expedições, eles carregavam junto com lanças, terçados, alfanjes, arcabuzes e bacamartes, farnéis repletos de feijão cozido, habitualmente sem sal, para não endurecer, farinha de milho (a de mandioca só começou a ser produzida em escala apreciável em São Paulo no século 18), carne-seca e toucinho. Com o chacoalhar da andança, os ingredientes ficavam virados ou revirados (daí o virado). Comiam frio ou aquecido.

O cronista enogastronômico Sérgio de Paula Santos, no livro Memórias de Adega e Cozinha (Editora Senac São Paulo, SP, 2007), lembra que a mais antiga referência documental ao virado data de 1602, quando Nicolau Barreto realizou a famosa expedição aos atuais territórios do Paraguai, Bolívia e Peru. Documentos históricos não faltam. O explorador Francisco José de Lacerda e Almeida, em seu Diário da Viagem Pelas Capitânias… (Typographia de Costa Silveira, São Paulo, 1841), saboreou o prato em 1788 e o chamou de guisado, qualificando-o de “o melhor do mundo”.

A folclorista Maria de Lourdes Borges Ribeiro, no livro Na Trilha da Independência (Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Rio de Janeiro, 1972), conta que d. Pedro I, na viagem do Rio de Janeiro a São Paulo, na qual deu o Grito do Ipiranga, comeu virado a 17 de agosto de l822 na Fazenda Pau d’Alho, de São José do Barreiro, Vale do Paraíba.

No cardápio semanal paulista, consagrado nas casas senhoriais do século 19 e transferido para os restaurantes populares dos séculos 20 e 21, o virado é o prato oficial da segunda-feira. Além de seguir a tradição, tem a vantagem de aproveitar sobras do fim de semana. Terça é dia de dobradinha, quarta de feijoada, quinta de rabada, sexta de peixe e sábado se repete a feijoada.

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Os bandeirantes levaram o virado para Minas Gerais, onde o prato se converteu no tutu à mineira. O Estado vizinho ainda era região a desbravar quando isso aconteceu. Portanto, a receita mineira tem ascendência paulista. Mas há uma diferença importante. “O uso mineiro mais frequente do tutu é com feijão moído, não em grãos, como o virado”, observa o historiador Ricardo Maranhão, especialista em história da gastronomia e professor da Universidade Anhembi Morumbi, de São Paulo.

Há uma investigação a fazer. Até que ponto a cozinha bandeirante influenciou a mineira? Ricardo Maranhão, por exemplo, sustenta que o lombo de porco com tutu também é paulista.

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