'A ideia do Gelinaz é ser irrepetível', diz organizadora
Para os curadores do coletivo de chefs, cujo jantar de edição única em São Paulo ocorreu no último domingo, a ideia é reunir cozinheiros que sejam tão talentosos quanto bons seres humanos
Foto: Juan Guerra|Divulgação
Por Ana Paula Boni04/05/2016 | 18h17
Coletivo de chefs criado em 2005 pelo jornalista italiano Andrea Petrini, e tocado ao lado de sua sócia, a produtora belga Alexandra Swenden, o Gelinaz promove eventos com cozinheiros pelo mundo, como neste ano a série de jantares Walk With Us – em fevereiro foi em Londres, no último domingo em São Paulo, em julho será em São Francisco e em setembro em Moscou. Aqui, teve curadoria da jornalista brasileira Alexandra Forbes.
Em dezembro, as edições culminam no Shuffle, evento em que no ano passado 37 chefs trocaram de cozinha pelo mundo por quatro dias. Entre eles, estavam o brasileiro Alex Atala e o dinamarquês René Redzepi. Petrini gosta de fazer um paralelo dessa mistura do Gelinaz com o mundo da música, como se essa reunião de cozinheiros criando na base do improviso até o último minuto fosse uma jam session. Leia mais na entrevista abaixo:
Ouvi ontem, num bom sentido, que você está mais interessado em juntar chefs do que pensar nos clientes. Qual a ideia de tudo isso?Andrea Petrini - Nós todos somos clientes, vamos a restaurantes. Se você é um músico, faz sua música várias vezes, você sabe fazer, mas daí você entra numa zona de conforto. A ideia do Gelinaz é juntar forças, colocar gente junta e ver quão longe eles vão. Não pedimos que eles façam seus melhores pratos nem repliquem algo de suas cozinhas. Mas é mais como uma zona de experimento, eles estão sempre se mexendo.Alexandra Swenden - Uma coisa importante é que não queremos que os clientes tenham a impressão de se tratar de um jantar de um restaurante de luxo. A ideia é que o público faça parte dessa performance. Os clientes não são clientes, são parte de tudo, como os chefs. Esse é o palco, se eles quiserem dançar, sintam-se livres. Esqueçam que estão num restaurante.
Bastidores - Gelinaz
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Bastidores - Gelinaz
Detalhe dos papéis com as receitas originais de torresmo, sarapatel, carne de sol e paçoca, fornecidas por Rodrigo Oliveira; no vácuo, o lombo de porc... Foto: Ricardo Toscani/Estadão
Alberto Landgraf fatia mandioca crua que vai virar um mil-folhas para acompanhar a carne de sol do grupo Foto: Ricardo Toscani/Estadão
A língua de boi foi previamente cozida no vácuo na cozinha do Olympe, no Rio, por Thomas Troisgros e Alberto Landgraf, e trazida para São Paulo Foto: Ricardo Toscani/Estadão
Rodrigo Oliveira observa as mantas de carne de angus curada no sal na refrigeração da cozinha do Esquina Mocotó Foto: Ricardo Toscani/Estadão
Na cozinha de produção do Maní, Leonardo Pereira, Daniel Redondo, Rodolfo Guzmán e Karime López (assistente de Virgílio Martínez) Foto: Ricardo Toscani/Estadão
Daniel Redondo mostra o sanduíche de purê de mandioca com carne-seca dentro, que não vingou até domingo e acabou sendo substituído por um bolinho de m... Foto: Ricardo Toscani/Estadão
Purê de jabuticaba sendo preparado Foto: Ricardo Toscani/Estadão
Helena Rizzo e Leonardo Pereira no Dalva e Dito na noite do jantar Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
O homenageado da noite, seu Zé de Almeida, entre os chefs Alex Atala e Rodrigo Oliveira Foto: Juan Guerra/Divulgação
Os chefs Alberto Landgraf, Iñaki Aizpitarte, Thomas Troisgros e Jefferson Rueda se reúnem, no sábado de manhã, no estúdio do fotógrafo Sergio Coimbra ... Foto: Ricardo Toscani/Estadão
Os chefs Jefferson Rueda e Alberto Landgraf Foto: Ricardo Toscani/Estadão
No balcão de Rodrigo Oliveira, as vísceras do porco que vão virar o sarapatel na versão clássica: pulmão, rim, língua, garganta, coração Foto: Ricardo Toscani/Estadão
Maçãs da Patagônia, trazidas por Rodolfo Guzmán Foto: Ricardo Toscani/Estadão
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Como vocês escolhem os chefs?Andrea - Primeiro, eles são chefs fantásticos, depois são boas pessoas. Se não, não há chance de participarem do Gelinaz.Alexandra - Devem ser tão talentosos como chefs quanto bons seres humanos.Andrea - E a gente conhece eles, Alex [Atala] tem feito coisa com a gente há anos, a gente conhece Micha [Mitsuharu Tsumura], Virgílio [Martínez] se juntou à banda em 2013. Então, os chefs são amigos. A ideia por trás do Walk With Us é também introduzir novas pessoas, descobertas recentes que a gente acha que são talentosas, que nunca tinham entrado para o Gelinaz. Em outubro passado, em São Paulo, conheci Alberto [Landgraf] no Epice. Depois, fui ao Manu Buffara.
E como vocês escolheram os grupos para o jantar?Alexandra - Foi um tipo de loteria. Foi uma escolha aleatória. O Walk With Us é uma introdução para o Shuffle, que acontece no fim do ano. Shuffle é total e pura loteria, escolhemos chefs que têm talento para isso. Daí você tem um chef três estrelas Michelin que vai trabalhar num restaurante chinês em Nova York, misturando tudo. É esse tipo de liberdade que buscamos.
Pratos do Gelinaz
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Pratos do Gelinaz
Da equipe de Jefferson, Thomas, Alberto e Iñaki saiu um bombom de terrine de sarapatel clássico, com molho que levava “um pouco de vinho de porco” e p... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
O prato mais exótico de todo o jantar saiu do grupo de Helena, Daniel, Virgílio, Leonardo e Rodolfo - sarapatel doce, como sobremesa. Era composto de ... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
O menu-base do Gelinaz em São Paulo foi todo preparado por Rodrigo Oliveira, com torresmo, carne de sol, sarapatel e paçoca de sobremesa. O primeiro p... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
O grupo composto por Alex Atala, Manu Buffara, Thiago Castanho e o peruano Mitsuharu Tsumura, que não serviu nada com carne vermelha durante o jantar,... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Homus de feijão-de-corda e uma flor de cebolinha iam na crocante pele de porco do grupo de Helena Rizzo, Daniel Redondo, o peruano Virgílio Martínez, ... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Para contrastar com os crocantes que todos provavelmente iriam servir, o grupo de Jefferson Rueda, Alberto Landgraf, Thomas Troisgros e o francês Iñak... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Prato clássico do Mocotó, é preparado por Rodrigo com carne de angus curada no sal, acompanhada de mandioca e feijão-de-corda Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Sem carne vermelha, o grupo de Alex, Manu, Thiago e Mitsuharu fez um peixe filhote curado no sal por cerca de 8 horas (sem cozinhar depois), servido n... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
A carne de sol do time de Helena, Daniel, Leonardo, Virgílio e Rodolfo era para virar um sanduíche com purê de mandioca e manteiga de garrafa por cima... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Lombo de porco curado no sal por 10 dias e servido sem cozinhar no fogo, acompanhado de mil-folhas de mandioca, foi a criação do grupo de Jefferson, A... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Da esquerda à direita, Thiago Castanho (Remanso do Bosque, em Belém), o peruano Mitsuharu Tsumura (Maido, em Lima), Alex Atala (D.O.M., em São Paulo) ... Foto: Juan Guerra/Divulgação
Pulmão, garganta, coração, fígado, rim e outros miúdos do porco vão na receita original do sarapatel, servido por Rodrigo no Gelinaz com farofa de man... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Miúdos de peixes e alguns frutos do mar integraram o sarapatel do grupo de Alex, Manu, Thiago e Mitsuharu - moela de tainha, terrine de fígado de peix... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
O time de Helena, Daniel, Leonardo, Virgílio e Rodolfo resolveram inverter a ordem das coisas - o que seria o sarapatel ganhou uma versão doce e foi s... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Da esquerda à direita, Daniel Redondo (Maní, em São Paulo), o peruano Virgílio Martínez (Central, em Lima), o português Leonardo Pereira (ex-Areias do... Foto: Juan Guerra/Divulgação
Antes que todos comessem, Thiago avisou ao microfone: “Depois de tantos pratos com sangue, quero dizer que essa raspadinha não é de sangue, é de açaí”... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
O time de Jefferson, Thomas, Alberto e Iñaki propôs um sorbet de açaí com paçoca úmida de amendoim e rapadura, por cima “neve” de queijo de cabra. Na ... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Da esquerda à direita, Thomas Troisgros (Olympe, no Rio de Janeiro), Jefferson Rueda (A Casa do Porco, em São Paulo), Alberto Landgraf (ex-Epice, em S... Foto: Juan Guerra/Divulgação
O chef Rodrigo Oliveira e seu pai, Zé de Almeida, fundador do Mocotó e homenageado da noite. O tema foi a cozinha nordestina sertaneja, praticada no r... Foto: Juan Guerra/Divulgação
A receita de Rodrigo leva caju fresco e farofa doce feita com açúcar de coco, rapadura, farinha de mandioca e castanha-de-caju torrada, entre outros i... Foto: Rogerio Voltan/Divulgação
Como surgiu a ideia de criar o Gelinaz?Andrea - Tudo começou em 2005 com um grande chef italiano, Fulvio Pierangelini, que odeia esses tipos de festival de cozinha, como o de San Sebastian [Espanha], ele sempre recusou esse tipo de coisa. Uma noite ele disse: “Estou procurando uma boa desculpa para não ir de novo e preciso fazer outra coisa”. Durante uma noite de insônia, eu tive uma espécie de visão com um chef num palco cercado de outros chefs fazendo versões de seu prato, como um DJ que faz versões de uma música, remixando-a. Falei disso para Fulvio no dia seguinte e ele topou. Fomos para San Sebastian e fizemos o primeiro Gelinaz, em 2005. O começo foi com Fulvio, Massimo Bottura, Andoni Aduriz. Depois, Iñaki Aizpitarte, René Redzepi.
Você fala bastante de música para explicar o Gelinaz…Andrea - O fato de haver receitas escritas, como o menu de Rodrigo [Oliveira], e de os outros chefs reescreverem as receitas, então eles estão improvisando como numa jam session. Se você dá uma música de Björk para cinco DJs, cada um deles vai fazer uma versão diferente.
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Vocês registram as receitas?Andrea - Em alguns dos encontros do Gelinaz, eu cheguei a escrever algumas receitas. Mas o fato é que, quando se anda como um time, há uma atitude mais de improvisação.Alexandra - A gente nunca recebe a receita final. Seria louco da nossa parte pedir ao chef para registrar isso. É um jantar único, nós não seríamos capazes de repetir isso. Mesmo para querer publicá-las, não, a ideia do Gelinaz é ser irrepetível.