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A sobremesa dos czares

Nas décadas de 60 e 70, confeitarias e restaurantes elegantes do Rio de Janeiro e São Paulo seduziam os clientes com uma sobremesa irresistível, os morangos Romanov

Por Dias Lopes
Atualização:

Os brasileiros demoraram a conhecer o morango. Consumido há mais de 2 mil anos pelos europeus, só a partir de meados do século 20 passou a ser cultivado regularmente entre nós, quando o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) desenvolveu uma variedade pioneira que até hoje é plantada comercialmente. Agosto, setembro e outubro são os meses nos quais o morango se torna mais abundante e delicioso, pois alcança o ponto ideal de acidez e doçura. Entretanto, apesar da descoberta tardia, tornamo-nos seus fãs e hoje o saboreamos de várias maneiras – ao natural ou em sucos, saladas de frutas, geleias, musses, sorvetes, pavês, tortas, bolos, rocamboles, cheesecakes, macarons, bombons, barrinhas de cereais. O iogurte perfumado com ele é campeão de vendas.

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Nas décadas de 60 e 70, confeitarias e restaurantes elegantes do Rio de Janeiro e São Paulo seduziam os clientes com uma sobremesa irresistível. Ajudou a adoçar a Belle Époque, o período de glamour e requinte vivido pela Europa entre 1890 e 1940, com epicentro em Paris. Falamos dos morangos Romanov ou Romanoff (grafa-se das duas maneiras). Maceram em açúcar, suco e raspas de laranja, licor Curaçau ou Grand Marnier, kirsch ou vodca; depois, são dispostos em camadas numa taça transparente, entremeados por chantilly aromatizado com essência de baunilha. Hoje, a receita é popular no Sul e Sudeste do Brasil, mas perdeu o sobrenome Romanov e foi simplificada. As churrascarias rodízio a servem apenas com chantilly, sem os complementos enriquecedores. Os morangos Romanov homenageiam a dinastia de czares do mesmo nome, que governou a Rússia por mais de 300 anos e só deixou o poder em 1917, quando os comunistas derrubaram Nicolau II e depois o assassinaram, com a família.

Alguns autores atribuem a receita aos pâtissiers do czar Pedro I, o Grande, cujo reinado transcorreu entre 1682 e 1725. O poderoso czar realmente adorava creme de leite, em doces ou salgados. Também apreciava morangos. Sabendo disso, ofereceram-lhe a fruta durante a viagem à Europa Ocidental, de 1697/98, que realizou para consolidar diplomaticamente sua política expansionista e conhecer novidades logo implantadas em seu país. Graças aos esforços do czar progressista, a Rússia se tornou uma das principais potências europeias. Entretanto, outros autores não estão convencidos de que os morangos Romanov surgiram na corte de Pedro, o Grande, e preferem atribuí-los à época posterior. Os Romanovs sempre gostaram de comer bem. O francês Antonin Carême, considerado o maior chef de todos os tempos, trabalhou para um deles, o czar Alexandre I. Permaneceu algum tempo em São Petersburgo, cidade fundada em 1703 por Pedro, o Grande, nas terras bálticas tomadas da Suécia e promovida a capital nacional. Regressando à França, Carême introduziu em Paris pratos clássicos da cozinha eslava, entre os quais o borscht, a famosa sopa de beterraba. As enciclopédias de gastronomia dedicam verbete às receitas que homenageiam a célebre dinastia de czares. Curiosamente, os morangos Romanov originais não levavam a fruta atual.

No reinado de Pedro I, o Grande, existiam na Europa apenas três variedades silvestres, espontâneas. Eram vermelhas, perfumadas, porém muito pequenas, de cultivo difícil e produção irregular. As pessoas arrancavam morangueiros dos bosques, com as raízes, e os replantavam nos jardins, muitas vezes como cerca viva. Mas isso estava mudando. Em meados do século 17, o botânico e jardineiro britânico John Tradescant encontrou na Virgínia, Estados Unidos, mudas de uma planta nativa que dava um morango vermelho e de sabor mais forte que as existentes no Velho Mundo. Os esforços para cruzá-la com as variedades europeias resultaram inúteis, pois tinham constituições genéticas diferentes. Buscava-se uma fruta melhor e de cultivo menos complicado. Isso foi conseguido somente no início do século 18, depois que o botânico, explorador e navegador francês Amédée François Frézier regressou de uma viagem ao Chile com uma variedade que produzia uma fruta com o tamanho de uma noz a um ovo de galinha, amarelada e com sabor de abacaxi. Seu conterrâneo Antoine Nicolas Duchesne, agrônomo de Versailles, constatou que as novidades da América eram cientificamente compatíveis e produziu os híbridos antecessores dos atuais.

A Revolução Francesa de 1789 interrompeu sua propagação. Assim, só em 1821 os cultivadores puderam vender o primeiro morango grande, vermelho e saboroso. Atualmente, é fruta popular no mundo todo. Pertence à família das rosáceas, a mesma da amora, framboesa, cereja, ameixa, damasco, pêssego, maçã, pera e marmelo. Servida com chantilly, preparada segundo a receita dos czares, ascende à nobreza, ou seja, vira Romanov. 

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