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Comida

Açaí, a fruta púrpura do Norte

Em Belém, 'Paladar' acompanha a produção do açaí desde o pé até o prato na melhor época da colheita, que vai até o próximo mês, e quando a oferta é maior no País; a demanda cresceu tanto que em dez anos o preço quadruplicou

O paraense Anderson Nascimento da Silva, que cata açaí desde os 7 anos. Foto: Felipe Rau|EstadãoFoto: Felipe Rau|Estadão

De Belém

Nascido e criado na Ilha do Combu (PA), Anderson Nascimento da Silva tem 31 anos e cata açaí desde os 7. Corpos leves são melhores para o serviço, pois num dia de trabalho é preciso subir e descer o açaizeiro umas 25 vezes. O catador amarra no próprio pé um laço de folha de açaí (a pecônia) e sai pulando ao longo do tronco com o apoio das mãos. Tudo no intervalo das 6h às 9h, segundo Anderson, antes que o sol esquente e oxide os frutos. Às 9h os termômetros já chegam aos 30°C em cidades do Pará, Estado que responde por cerca de 80% da produção do País.

Dependendo do tamanho do cacho de açaí e da mão do catador, a cada vez ele desce com dois ou quatro ramos. Não adianta jogar lá de cima – frutos arrebentados não interessam ao comprador. O cuidado que o açaí demanda desde que sai do pé até ser processado é tamanho que o comércio no mercado Ver-o-Peso, em Belém, acontece de madrugada, sem sol. 

As rasas (cestos de palha) em geral são vendidas num intervalo de 24 horas desde que o açaí foi catado. Quanto mais velhos, mais secos eles estão e menos polpa têm, e assim vão sendo barateados. Vendedores espertos podem tentar enganar o consumidor colocando frutos congelados no miolo da rasa, para que eles aparentem frescor.

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A empresária paraense Antonia Padvaiskas, que em São Paulo comercializa produtos do Norte pelo seu Empório Poitara, tem primos trabalhando com açaí no Pará e conta como os comerciantes afiados escolhem os seus cestos – enfiando a mão bem no meio, para detectar possíveis congelamentos. “Se o açaí estiver suando, é porque está descongelando”, diz ela.

Nessa espécie de bolsa de valores do açaí que é o Ver-o-Peso, a lata de 14 quilos custa R$ 40 nesta época abundante do ano, mas pode chegar a R$ 140 na entressafra, principalmente de março a maio, conta o empresário Nazareno Alves, dono de fábricas e restaurantes Point do Açaí, em Belém. De mercados como o Ver-o-Peso os frutos vão para processamento, onde os chamados batedores de açaí trituram-no com água, separam os caroços e vendem a polpa resfriada de acordo com a espessura: açaí grosso, médio e fino.

Ainda tem o especial, que alguns paraenses chamam de “papa” – é a primeira saída da máquina, com mínima adição de água. “É aquele em que a colher fica de pé”, conta Antonia. É o mais cobiçado na capital e também o mais caro – média de R$ 18 ou R$ 20 (o litro), enquanto o grosso gira em torno de R$ 10. (Para achar açaí em Belém, procure por uma placa vermelha em frente a pequenos estabelecimentos.)

O paraense Anderson Nascimento da Silva, que cata açaí desde os 7 anos Foto: Felipe Rau|Estadão

Os valores cresceram demais, reclamam os paraenses, que são os maiores consumidores do País. Só a capital consome cerca de 300 mil toneladas do fruto por ano, quase 30% de toda a produção do Estado, segundo a Secretaria de Agricultura. A demanda no resto do País e no mundo (principalmente Japão e Estados Unidos) cresceu tanto que nos últimos dez anos a produção do fruto até dobrou, mas o preço quadruplicou, segundo dados do IBGE.

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“Existe uma demanda ainda insatisfeita, que não é atendida com a atual produção”, conta o engenheiro agrônomo Geraldo Tavares, gerente de Fruticultura da Secretaria de Agricultura do Pará, segundo quem o programa PróAçaí do governo foi lançado neste ano para melhorar e aumentar a produção do fruto no Estado. “Realmente, subiu o preço, mas o produtor nativo está sendo mais bem remunerado também. Isso é positivo.” Uma parcela da produção do Estado é oriunda de extrativismo em florestas nativas, mas a maior parte é de terra manejada e plantada pelo homem, muitas em sistema de monocultura – que é estimulado pela alta demanda e é alvo de críticas de paraenses quanto ao uso da terra.

Prato típico do Pará, no Point do Açaí: peixes com tigela de açaí, farinha de tapioca e farinha de mandioca Foto: Felipe Rau|Estadão

Lá, açaí vai com peixe e farinha

Ninguém sabe explicar como o açaí chegou ao Sudeste numa tigela com banana, guaraná e granola. O fato é que São Paulo, Rio e Minas respondem por quase 70% do que sai do Pará para outros Estados, mas os paraenses ainda torcem o nariz para essa forma nada tradicional de consumo.  Começa pela textura da polpa, muito diluída. Depois, o costume é açaí ser companhia de charque (carne seca que os paraenses chamam de jabá) e peixe (fritos ou grelhados, como pirarucu, tucunaré, filhote e gó).

“Esse jeito do Sudeste não é um consumo real. Acaba tirando as características do jeito que a gente come lá, usa banana para engrossar. Daí tem gente que depois diz que não gosta de açaí, mas nem sabe como consumi-lo direito”, diz a paraense Antonia Padvaiskas, que mora em São Paulo.

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Segundo Nazareno Alves, do Point do Açaí, em Belém, a refeição de peixe com açaí, parte da cultura popular, só encantou a elite paraense depois que caiu no gosto do Sudeste. “Agora açaí é legal.” Dono de restaurante, ele ensina aos turistas como comer: no prato estão peixes, carnes, salada e até batata frita; ao lado, a tigela de açaí, onde se mistura farinha de mandioca (d’água) e farinha de tapioca (aquela que parece uma pipoca).

Dê uma garfada no peixe do prato e, com ele na boca, tome uma colherada de açaí com as farinhas. A mistura só é feita na boca. Ah, sim, tem paraense, como o próprio Nazareno, que adoça esse açaí na tigela com açúcar.

Confira curta paraense que mostra o costume de se comer açaí com carne:

Um point que completou 10 anos

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O pai de Nazareno Alves era batedor de açaí, o cara que transforma o fruto em polpa; em 2004 o filho resolveu entrar no ramo. Pediu R$ 1.500 emprestado no banco, montou uma máquina no pátio de casa, em Belém, e passou a vender o litro da polpa na porta. Em 2006, botou duas mesinhas na calçada para servir peixes e charque (carne seca que o paraense chama de jabá) com a tigela de açaí e farinha. Chamou o puxadinho de Point do Açaí.

No começo, comida ordinária que é essa combinação de peixe com açaí e farinha, ele precisou dar prato de graça aos amigos para atrair clientela. Dez anos depois, Nazareno hoje toca três restaurantes e três fábricas que processam o açaí que ele planta em Igarapé-Açu (PA) – uma parte vem de outros produtores. “Hoje minha produção em Igarapé é 40% do que consumo, mas a ideia é chegar a 100%.”

Quando ele fala em consumo está se referindo a 25 toneladas de açaí por mês que são batidos para seus restaurantes e para vendas avulsas que faz do litro do açaí na porta das fábricas.

Nazareno Alves, dono da rede Point do Açaí, em Belém Foto: Felipe Rau|Estadão

* VIAGEM A CONVITE DO 4º FESTIVAL INTERNACIONAL DO CHOCOLATE E CACAU DA AMAZÔNIA

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