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Comida

Alguém escreveu meu livro!

Um dia acaba acontecendo: alguém aparece com o livro que você sempre sonhou fazer, mesmo sem saber que ele seria assim. Quando meu exemplar do Edible Selby chegou, senti um entusiasmo que um livro não me dava há tempos. Folheei, li alguns perfis, babei nos desenhos tosquinhos no estilo “acho que eu conseguiria fazer aquarelas assim”. Preguei todos os ímãs de geladeira (brinde da contracapa) por todas as superfícies metálicas da casa.

Alguém escreveu meu livro!Foto:

+ A cozinha vista por Todd Selby

Nunca fui exatamente fã do site The Selby is In Your Place (que também virou livro), no qual Todd Selby fotografa casas. Achava montado demais, gente que tem tudo muito certinho, o boneco de Tintim na mesa Noguchi com um paninho da Marimekko de um lado e um antigo relógio prussiano do outro. Eram casas modernetes excessivamente carregadas de ironia pós-moderna, uma perfeição decorativa não habitável. Nem uma poeira, uma criança bagunceira, uma mancha de vinho no tapete. Hipsters em estado de dioramas de museus, perfeitos em seu estilo de vida estético.

Páginas de “Edible Selby”. FOTO: Reprodução

Já nos restaurantes, achou o tom. Tem importantes, Noma, St John, D.O.M. e Le Chateaubriand, e tem um diner de beira de estrada, um mercadinho bio, um chapeiro sueco com um balcão de sanduíches, um trailer de praia na Nova Zelândia e um norueguês que defuma arenque. Nenhuma afetação como nas residências; são lugares de comer, com verdadeiras cozinhas em funcionamento. O foco não é no salão nem no público, é na cozinha, no trabalho de arranjar produtos, nas brigadas em operação, montagem de pratos, caixas de verduras chegando. Admitiu o ruído da sujeira, do suor e calor do trabalho no forno; tem a vida que faltava no outro da série.

O livro que você adoraria escrever e alguém escreveu carrega essa coisa, é a faca de duas capas. Dá o prazer preguiçoso de já estar pronto, um “ufa!, que bom que alguém teve tal trabalheira”. Pois é fácil imaginar a insana produção: o sujeito viajou feito louco, fez milhares de fotos, teve que lidar com alfândegas para passar com equipamento fotográfico, com reservas de restaurantes e autorizações para entrar nas cozinhas e editar, além de desenhar e pintar os chefs e pratos. Ele se esfalfou, e nós podemos ler deitados.

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Entretanto, junto vem a leve depressão pós-leitura do “é lindo, que vontade de ter feito!”: uma suave melancolia diante de algo tão bom, que passa rápido, não adianta, já existe, custa U$ 21 na Amazon.com. Estou dormindo com ele debaixo do travesseiro.

>> Veja todos os textos publicados na edição de 10/1/13 do ‘Paladar’

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