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Comida

Ascensão e queda do império ‘fusion’

Em Her, novo filme do diretor cool norte-americano, Spike Jonze, Los Angeles aparece futurista e até acreditável. E eis que surge a comida fusion asiática. Mas o conceito dos anos 80 já não estava saindo de cena?

 . Foto: EstadãoFoto: Estadão

Por L. V. AndersonSlate

Numa cena do filme Her, a nova ficção-científica-que-faz-pensar do diretor americano Spike Jonze, o ator Joaquin Phoenix vai a um encontro às cegas com uma graduada sexy de Harvard interpretada por Olivia Wilde. Eles se encontram num restaurante fino e discreto, ficam meio de pilequinho e começam a discutir com que bichos cada um se parece. Depois, já na hora do “foi uma bela noite” e coisa e tal, o personagem de Olivia arrisca algo como: “Você não adora a comida fusion asiática?”.

É um momento dissonante num filme que mostra uma Los Angeles futurista bastante crível. Será que Spike Jonze acha mesmo que estaremos comendo pratos de fusão asiática daqui a algumas décadas?

A expressão comida fusion asiática nasceu no final dos anos 1980, quando chefs europeus como o austríaco Wolfgang Puck e o francês Jean-Georges Vongerichten montaram restaurantes que combinavam ingredientes chineses, japoneses e tailandeses (gengibre, rabanete daikon e leite de coco) com clássicas preparações francesas (vinagrete, caldo-base de carne, musse) e vice-versa. No início da dos anos 2000, a fusão asiática já estava no canal de culinária Food Network e, consequentemente, parecia meio decadente e perdendo fôlego.

Cena Fusion. “Você não adora a comida fusion asiática?”, pergunta difícil de engolir. FOTOS: Reprodução

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Não que a ideia de remixar comida asiática com outras cozinhas do mundo tivesse morrido. Pelo contrário: chefs como Danny Bowien, em São Francisco e Nova York, e Roy Choi, em Los Angeles, começaram a produzir “comida oriental americanizada” e tacos coreanos. Mas atualmente não muitos chefs chamam sua cozinha de fusion. Recentemente, a revista New York proclamou que “a cozinha hipster asiática substitui a cozinha fusion asiática”.

Por que, então, Jonze escolheu uma cozinha ligeiramente ultrapassada como exemplo do que os moradores de Los Angeles vão comer no futuro?

Perguntei isso ao divulgador de Her e ele respondeu que Jonze não estava disponível no momento para esclarecer. Talvez eu esteja pensando demais nisso, mas me parece que Jonze fez a escolha deliberadamente – tanto porque, no geral, é um cineasta deliberado quanto porque parece estar sempre tomando o pulso da cultura. Numa recente entrevista ao Guardian, falando de Los Angeles, ele disse “hoje aqui se come melhor que nunca, os restaurantes são melhores. Você sente o futuro chegando, e ele vem cada vez melhor”.

Portanto, ambientar o personagem de Joaquin Phoenix num encontro em um restaurante fusion asiático pode ser uma saudação do diretor à criatividade de chefs como Roy Choi, que mesclam sabores asiáticos e outros com desprendimento, e um voto de confiança na permanência desse tipo de cozinha. Ou talvez seja a inteligente constatação do ciclo de vida das tendências. Primeiro, vem a inovação de um chef criativo de alto nível (vide o Chinois on Mian de Wolfgang Puck nos anos 1980); depois, a tendência se torna tão popular que acaba perdendo prestígio (daí a resistência de chefs em usar hoje o termo fusion); e, por fim, acaba se tornando parte indiscutível de uma onda cultural.

  Foto: Estadão

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Vongerichten. Roll de atum com emulsão de soja, do JoJo, e atum com casca de arroz e molho Sriracha, do Perry St

Comida fusion asiática, com todas as suas conotações, é uma expressão fiel e direta que engloba uma ampla faixa da atual cena da restauração. Mas suspeito que nosso vocabulário para descrever a influência asiática em cozinhas híbridas vá crescer no futuro, em lugar de diminuir. Ficaria menos surpreso se ouvisse o personagem de Olivia Wilde descrever a comida que pediu como “cuscuz japonês” ou “pizza chinesa”. É claro que a referência a tão criativos híbridos em Her provocaria gargalhadas em muitas plateias. Comida fusion asiática é familiar o bastante para não parecer humorístico. No entanto, foi uma das poucas partes de Her que achei difícil de engolir.

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 2/1/2014

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