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Comida

Cadernos de receitas retratam culturas imigrantes em museu

Na mostra "Migrações à Mesa", em cartaz no Museu da Imigração, cadernos de dez famílias mostram como espanholas, italianas e japonesas, entre outras, viam receitas locais e adaptavam pratos de família da terra natal

Cadernos ficam dentro de caixas de acrílico e, ao lado, tablet traz todas as páginas escaneadas. Foto: Sergio Castro|EstadãoFoto: Sergio Castro|Estadão

Caderno de receitas, esse objeto que mais bonito fica quanto mais surrado pelo uso na cozinha, sempre vira depositário de memórias das famílias, de como “minha avó fazia”, de comidas reconfortantes que as pessoas comem desde pequenas.

No caso dos muitos imigrantes que chegaram a São Paulo ao longo de décadas, esses cadernos também são o registro de como espanholas, japonesas, sírias e muitas outras estrangeiras viam ingredientes e receitas locais, como adaptavam os pratos da terra natal e os repassavam por escrito para filhos e netos.

Uma mostra desse universo, com cadernos de receitas de dez famílias de imigrantes, virou a exposição “Migrações à Mesa” no Museu da Imigração, em cartaz até junho de 2017. Os volumes foram emprestados ao museu pelas herdeiras deles, filhas ou netas das donas dos cadernos, que ficaram sabendo da exposição por meio de uma chamada pública lançada em dezembro do ano passado.

Os volumes estão em expositores de acrílico ao lado de fotos e objetos da família (como os moedores manuais de carne da família síria e da libanesa); os papéis não podem ser manuseados, mas um tablet afixado na parede ao lado de cada núcleo familiar contém todas as páginas escaneadas para serem fuçadas à vontade.

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Ali, não adianta tentar achar receita de esfiha ou charutinho no caderno da síria Chafia Assad Rodriguez. É como querer receita de feijão de uma brasileira. “Com esses cadernos, a gente percebeu que as receitas escritas são as menos típicas. As comidas do dia a dia elas sabiam fazer de cor”, conta Mariana Esteves Martins, uma das curadoras da mostra. Por isso também, algumas receitas aparecem sem o modo de preparo, apenas com a quantidade de ingredientes.

No lugar de receitas básicas do dia a dia, há detalhes inusitados como um recorte do baiano xinxim de galinha (que leva azeite de dendê), tirado de uma revista e colado no caderno da espanhola Benilde Seoane Gonzalez. Além de Espanha, ainda estão representados ali países como Itália, Portugal, França, Inglaterra, Japão, Síria e Líbano.

Cadernos ficam dentro de caixas de acrílico e, ao lado, tablet traz todas as páginas escaneadas Foto: Sergio Castro|Estadão

Rede social. Além de receitas incomuns ao dia a dia da cozinheira (como bolo de cenoura com azeite de dendê no caderno da nissei Teruko), várias delas anotadas para festividades, muitos doces estão presentes (e tem bolo de fubá em quase todos eles). Não eram parte do dia a dia como os salgados. Além disso, há caligrafias diferentes, de amigas que anotavam receitas nos cadernos das outras.

“O da minha mãe tinha até receita de Brasília. Fui descobrir que ela tinha viajado e levou o caderno porque queria uma receita de uma amiga de lá”, conta Patrícia Lopes, herdeira do volume de Edna, sua mãe, filha de espanhóis. “Os cadernos de receita eram as redes sociais de antigamente, trocados entre vizinhas”, completa Mariana Weber, que herdou o caderno que começou com a avó Viquinha e passou pelas mãos da mãe, Amanda.

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Patrícia, Mariana e outras três herdeiras de cadernos se reuniram com o Paladar no Museu da Imigração para contar suas histórias. Ao lado delas estava ainda Haydée Rodrigues Tardini, que herdou o caderno da mãe, Chafia (de origem síria), escrito em um livro-caixa, e o da sogra, Yolanda (de origem italiana); além de Silvia Prevideli e sua mãe, Zulmira, guardiãs dos cadernos da italiana Joana, que chegou ao Brasil com oito anos e ensinou para toda a família a fazer massas e molhos. “Mas essas estão na nossa cabeça, não em caderno de receita”, diz Zulmira, sorrindo, ao lembrar da própria mãe.

Algumas herdeiras de cadernos, da esq. à dir.: Silvia Prevideli e sua mãe, Zulmira, Haydée Tardini, Mariana Weber e Patrícia Lopes Foto: Sergio Castro|Estadão

Comida imigrante. A cozinha ronda a história do Museu da Imigração desde que ele nasceu, em 1993, assim como ronda a história de qualquer cultura. No lugar onde ele está instalado, na Mooca, funcionou a hospedaria em que o governo (em parceria com cafeicultores) abrigou e registrou migrantes (muitos brasileiros) de 1867 a 1978. Foram mais de 2 milhões de pessoas de 70 nacionalidades, cujos registros podem ser acessados.

Com o surgimento do museu, a parte posterior do imóvel passou a abrigar o Arsenal da Esperança, ONG italiana para imigrantes, e o local continuou sendo concentração de estrangeiros. Dois anos depois, veio a 1ª Festa do Imigrante, que chegou neste ano à 21ª edição, para festejar essas variadas culturas. Ao lado de manifestações artísticas, a festa reúne tendas de comidas das mais diversas nacionalidades.

SERVIÇO

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Museu da Imigração R. Visconde de Parnaíba, 1.316, Mooca Exposição Migrações à Mesa. Até junho de 2017 Funcionamento: 9h às 17h (dom., 10h às 17h; fecha seg.)

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