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Comida

Cardápio para quem faz quimioterapia deve nutrir e confortar

Durante o tratamento do câncer, os gostos mudam e é preciso redescobrir preferências alimentares em meio a efeitos colaterais

Paula (E) e Carolina, que passaram por quimioterapia, contam que hoje têm uma relação mais gentil com a comida. Foto: Taba Benedicto/EstadãoFoto: Taba Benedicto/Estadão
Paula (E) e Carolina, que passaram por quimioterapia, contam que hoje têm uma relação mais gentil com a comida Foto: Taba Benedicto/Estadão

Karina Carvalho, 42 anos, não sentiu enjoo durante suas 16 sessões de quimioterapia em razão de um câncer de mama, mas o intestino preso foi um problema. Já no tratamento de câncer de mama de Carolina Cury, 42, ela tinha muita vontade de comer carne vermelha durante o seu tratamento – apesar de ser vegetariana há mais de dez anos. Já Paula de Vries, de 36, que trata um câncer de ovário há quatro anos, abusou do risoto de limão: era uma das coisas que ajudavam a combater as náuseas da quimioterapia. No meu caso, a cada mês eu só conseguia comer uma determinada coisa: teve a fase do bolinho de arroz, da sopa de ervilha, do ensopado de carne com batata.

Alimentar-se durante o tratamento de quimioterapia é um desafio. De repente, você não consegue nem sentir o cheiro do seu prato favorito. Os gostos mudam, as certezas se dissolvem e é preciso redescobrir suas preferências alimentares.

Mesmo passando por tratamentos similares, cada pessoa vai reagir de uma forma à quimioterapia. Segundo Amanda Maria dos Anjos Campos, nutricionista do A.C.Camargo Câncer Center, 80% dos pacientes sentem náuseas, mas há outros efeitos colaterais, como constipação, diarreia, mucosite (feridas na boca), falta de apetite e perda de paladar.

Karina Carvalho diz que comer muita farinha branca e alimentos fermentados antes de sua primeira químio causou uma congestão intestinal. Por isso, ela passou a priorizar alimentos ricos em fibras, frutas como mamão e ameixa, sucos. “Minha alimentação passou a ser mais saudável”, diz.

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Carolina, por outro lado, sofreu com os enjoos, ao longo de suas 16 seções de quimioterapia, no ano passado. Para ela, o que ajudou a controlar as náuseas foi açaí gelado, picolé de limão e água de coco. “Antes da quimioterapia, já deixava um estoque em casa”, conta. Como o açúcar também lhe enjoava, ela adotava combinações inusitadas: tangerina com shoyu, maçã com sal. “O caqui, a manga, que sempre gostei, não conseguia olhar”, lembra. “Eu não suportava o cheiro de coisas doces.”

Isso, diz Amanda, é muito comum. Por isso, os pacientes são incentivados nesse período a comer aquilo que têm vontade, sem grandes restrições. “É melhor comer o que tem vontade e entrar com um suplemento alimentar, se for necessário.”

Comida tem função social

Sâmya Seiler Loureiro, nutricionista no hospital Sírio-Libanês, tem a mesma opinião. Segundo ela, nesse período de tratamento é importante deixar a alimentação mais prazerosa. “Alimentação não é só nutrição. É um momento em família, um momento com amigos, faz parte do nosso convívio social”, diz. Segundo ela, apesar de incentivar uma alimentação saudável e nutritiva, é preciso ter em mente que nem sempre isso é possível. “É um momento, uma fase transitória.”

O hospital criou um livro de receitas, de download gratuito, que ajudam a amenizar os efeitos colaterais do tratamento, mas que também podem ser consumidas pela família – dessa forma, eles podem continuar comendo juntos. “A ideia era desmistificar a questão da alimentação para o paciente oncológico e contribuir para o estímulo da alimentação, pensando sempre na questão nutricional”, diz Anna Caroline Zamberlan Diniz, chef no Sírio-Libanês que participou do teste e organização das receitas. Segundo ela, gastronomia e nutrição caminham juntas. “Não tem isso de comida de hospital ser sem gosto, ela deve contribuir nesse momento de recuperação.” 

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Paula de Vries trata um câncer de ovário há quatro anos e não abre mão de chá com bolo: comida que traz conforto Foto: Taba Benedicto/Estadão

Marília Aguiar, especialista em psico-oncologia e autora de Psico-oncologia – Caminhos de Cuidado (Summus Editorial), diz que a alimentação tem um papel psicológico importante. “Ela (a comida) também nutre a nossa alma. Tem essa questão sim de dar carinho, de receber atenção. Cozinhar é um ato de amor.” Segundo ela, o câncer tem um efeito biológico e um efeito psicossocial. “A alimentação vai cuidar dessa parte da nutrição oncológica.”

Relação mais gentil com a comida

Paula de Vries diz que melhorou sua relação com a alimentação depois do diagnóstico. Antes de descobrir o câncer, ela não comia açúcar e carne, nem bebia álcool. “Quando falei isso para o médico, ele disse: ‘Mas deveria’”, ri. Ela enfrentou a quimioterapia duas vezes, em 2018 e em 2021.

“O câncer exige muita disciplina, para os exames, consultas, tratamentos. Se não tem espaço para manobra fica muito difícil”, diz. Por causa da cirurgia que precisou fazer quando foi diagnosticada, que afetou também seu sistema digestivo, ela precisa cuidar da alimentação, mas se permite abrir exceções. “Comida conforto para mim é chá com bolo. A comida é uma forma de eu me mimar um pouco.” 

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Paula e Carolina ficaram amigas por causa do câncer. E a doença também causou transformações na alimentação de Carolina. Depois de seu primeiro diagnóstico, em 2016, ela decidiu parar de comer doce, virou vegana e, quando ia em festas, levava marmita. Tudo por medo de uma recidiva.

Mas, cinco anos depois, o câncer de mama voltou. E, fora dos dias de quimioterapia, quando se sentia enjoada, ela passou a ter vontade de comer carne e de pratos que ela não gostava, como lasanha. “Cheguei a sonhar com um estrogonofe.”

Carolina Cury abusou do açaí e da água de coco para amenizar os enjoos da quimioterapia. "Fazia um estoque", conta Foto: Taba Benedicto/Estadão

Ela lembra que falou sobre isso com sua nutricionista, que a estimulou a não se provar e equilibrar novamente a alimentação depois que essa fase do tratamento tivesse terminado. 

Hoje, ela afirma ter uma relação mais equilibrada com a comida. E, assim como Paula, não abre mão apenas de uma coisa: comprar alimentos orgânicos. 

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Rotina saudável é importante

O oncologista Ricardo Caponero, autor do livro Cuidados Paliativos – Diretrizes para Melhores Práticas (MG Editores), explica que a alimentação é fator-chave para todas as fases do câncer. “Esse é um assunto muito complexo. Um terço das neoplasias são causadas por fatores evitáveis, como sedentarismo e alimentação. O problema é que é muito a longo prazo. O maior impacto da alimentação é quando (a criança) está na barriga da mãe. Tudo o que você fez na infância vai influenciar na vida adulta. Quanto mais cedo fazer uma dieta saudável, melhor.”

Ele conta que há muitos mitos alimentares na internet. “Curcuma ajuda. Mas quanto? Por quanto tempo? Recomenda-se evitar carne vermelha. É comer nada? Ainda é um tempo de muitas especulações”, diz. No entanto, o tema vem sendo alvo de diversos estudos, mas não é algo de conclusão rápida. “Esse impacto tem que ser avaliado em algumas décadas.”

Deixar de comer açúcar é outro mito. O oncologista do Hospital Albert Eisntein Abraão Dornellas explica que não são apenas os tumores que se alimentam de açúcar, mas todas as células do corpo. “Em oncologia é preciso manter o equilíbrio, não santificar nenhum tipo de alimento e não demonizar nenhum outro.”

Para ele, a alimentação é fundamental em todos os aspectos da vida, antes, durante e depois do diagnóstico, mas nem por isso é preciso ser radical. “As pessoas jantam com amigos, vão a festas e fazem brindes. Isso tudo está incluído no viver.

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ADRIANA MOREIRA É JORNALISTA DO ESTADÃO E FOI DIAGNOSTICADA COM CÂNCER DE MAMA EM 2021. É AUTORA DO BLOG TENHO CÂNCER. E AGORA?

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