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Conhece o forno solar?

Rudimentar e revolucionário, o forno abastecido com raios de sol vai na contramão das novidades robóticas

Nos últimos dias estive empolgada experimentando cozinhar com um brinquedo que vai pela contramão das novidades robóticas na cozinha. Trata-se de um rudimentar e revolucionário forno solar, que deve ser encarado com a seriedade que os novos tempos pedem, em nome da sustentabilidade e respeito às novas gerações.

No começo, encarei como quebra-cabeça – são apenas quatro quadrados de 40 centímetros de papelão encapados com folhas aluminizadas, e dois menores para fazer a base, que chegaram pelo correio tendo com remetente a empresa do Nicolau Francine chamada de Pleno Sol – plenosol.com. Um saco plástico transparente e prendedores de papel faziam parte do kit. O resto, um suporte metálico e uma panela preta com tampa, seria por minha conta. 

Forno solar: chance de cozinhar usando energia limpa e inesgotável Foto: Neide Rigo/Estadão

Fui logo colocando água para aquecer em uma pequena panela de ferro e em pouco tempo ela ganhou temperatura para cozinhar os tupinambos que levaram meia hora para ficarem macios. Na empolgação, coloquei ovos na água quente e, claro, em poucos minutos estavam cozidos.

Logo descobri que não precisava adicionar água, pois os legumes e até os ovos cozinhariam num ambiente combinado de calor seco e vapor do próprio alimento. Nos dias seguintes me revezei na torcida por chuva à tarde, por razões vegetais, e muito sol pela manhã para poder me aventurar nas receitas e me aperfeiçoar na técnica solar. 

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É tão libertador usar energia limpa, inesgotável e de graça que comecei a levar muito a sério o novo brinquedo. Pesquisando, descobri outros modelos e fiquei animada em disseminar a prática. Imagine sair de manhã, deixar a comida na panela e chegar em casa com um prato pronto? 

Embora fornos solares não costumem frequentar a mídia especializada em gastronomia, com a escassez iminente de combustíveis fósseis e recursos florestais em pauta, cada vez mais o tema vem atraindo jovens pesquisadores interessados na sustentabilidade das fontes energéticas renováveis.

Pesquisas com captação da energia solar são antigas, mas o primeiro forno para fazer comida foi criado em 1767 pelo naturalista franco Horace Bénédict de Saussure, considerado o pai do forno solar. Ele observou que uma carruagem ou qualquer outro recinto com proteção de vidro esquentava mais que o comparativo sem vidro. Construiu uma estufa com cinco caixas de vidros sobrepostas sobre uma mesa de tampo preto e conseguiu uma temperatura suficiente para cozinhar e assar a maioria dos alimentos.

Armadilha de calor. O forno solar aprisiona o calor do sol, aquece a panela e cozinha os alimentos Foto: Neide Rigo/Estadão

Outros pesquisadores seguiram seus passos. Em 1830, o matemático, botânico e astrólogo inglês, John Herschel, durante uma expedição para a África do Sul, cozinhou em sua caixa quente, feita de madeira e vidro e seu relato é um dos poucos sobre a técnica.

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Nos anos 1970, as americanas Bárbara Kerr e Sherry Cole projetaram um modelo de caixa feita de papelão. Em 1987, sob iniciativa das duas pesquisadoras, foi criada a organização a Solare Cookers International, SCI, que tem hoje uma plataforma online comprometida com a pesquisa, divulgação e apoio a projetos ligados a promoção de fornos solares especialmente para população em estado de vulnerabilidade social e de defensores da causa ecológica – segundo a SCI, estima-se que um forno solar usado por uma família que normalmente usa lenha para cozinhar preserva mais de uma tonelada de madeira por ano. 

O modelo CooKit desenvolvido por pesquisadores apoiados pela organização é feito de papelão, tem custo baixíssimo e pode ser feito em uma hora por qualquer pessoa – o molde deste modelo e centenas de páginas com informações estão disponíveis em solarcooking.fandom.com/wiki/CooKit.

Ele é um híbrido simplificado entre o forno de caixa e o parabólico e inspirador de vários modelos de fornos de painéis, inclusive do que ganhei da Pleno Sol. Aliás, Nicolau também ensina a fazer o modelo que tenho em sua página de instagram: @nicolauplenosol. E ainda vende outros tipos. 

Arroz com feijão-fradinho e repolhopreparadoem um forno solar Foto: Neide Rigo/Estadão

Atualmente os fogões solares são muito usados na África e em campos de refugiados mundo afora, tanto para cozinhar quanto para pasteurizar água. Há vários projetos para incentivar o uso na Índia, China, Senegal, Afeganistão, Quênia e outros.

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O funcionamento é simples, os fornos são como armadilhas de calor. Os raios de sol batem nos painéis refletores e a luz reflete na panela no centro do forno em forma de calor. Por ser preta, ela retém o calor, cozinhando o que está dentro dela. A função do plástico transparente ou da cúpula de vidro que pode ser feita com duas tigelas acopladas é permitir que a luz do sol passe facilmente para a panela e impedir que o calor aprisionado faça o caminho de volta. 

RECEITA: Arroz com feijão-fradinho e repolho preparado em um forno solar

Em termos de resultado dos fornos solares, podemos compará-lo ao das panelas elétricas de cozimento lento os crock pots, como são conhecidas. O cozimento lento realça o sabor dos alimentos, já que vários compostos aromáticos são voláteis e se perdem sob altas temperaturas, o mesmo valendo para alguns nutrientes.

Tem a vantagem adicional de dispensar o uso de óleos, manteigas e outras gorduras, pois a comida é cozida no vapor e não gruda.

Não é preciso adicionar água em alimentos frescos e úmidos a menos que queira fazer um ensopado ou cozinhar grãos. E não precisa ficar cuidando, pois o máximo de erro que pode acontecer é cozinhar demais. Queimar, jamais. 

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E então, que tal aproveitarmos o patrimônio energético mais antigo do planeta para cozinhar de modo mais amigável

Dicas para cozinhar em forno solar

Finalmente, para quem já se convenceu de que vale a pena ao menos tentar cozinhar de forma limpa, algumas dicas:

● Tente se programar para o almoço por volta das 9 horas, assim aproveitará a melhor potência e inclinação do sol, que vão até às 14 horas; ● Use sempre panelas finas e pretas por fora e certifique-se de substituir por madeira qualquer puxador ou cabo não metálico que possam derreter - panela preta de ágata é uma boa opção. ● A panela deve estar sempre tampada para reter a umidade do alimento ● Se o dia estiver muito nublado e quiser arriscar o pouco sol, é bom que esteja por perto para transportar a panela para o fogão convencional se for necessário. O melhor céu para o uso do forno solar é aquele azul de brigadeiro. ● A temperatura atingida gira em torno de 120º graus nos fornos de painéis, suficiente para a maior parte dos alimentos, lembrando que a temperatura da água ou de alimentos que a contenha não passa de 100 graus mesmo no fogão convencional.   ● Se a tampa da panela receber bastante raios do sol e ficar bem quente ela servirá de fonte de calor suficiente para encurtar o tempo de cozimento e até dourar o alimento. ● O tempo de cozimento pode variar de acordo com o tipo de fogão solar escolhido - os parabólicos atingem temperaturas bem altas rapidamente, os de painel são mais lentos e os de caixa ficam no meio termo, com resultados parecidos com os de um forno convencional. ● Use sempre um saco plástico transparente alimentício para reter o calor – é importante ter um apoio ou pedestal para elevar um pouco a panela de modo que ela não encoste no saco plástico. ● Ah, por questão de segurança microbiológica, só cozinhe carnes se você for ficar em casa para ter certeza de que o sol está forte o suficiente para cozinhá-la em vez de amorná-la apenas, o que poderia favorecer o crescimento de microrganismos patogênicos.

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