O cacau é nosso. Mas quem domina sua cadeia – em produção, indústria, comércio e conhecimento – há tempo está longe daqui. Já o café não é nosso, embora seja aqui, na América do Sul, que aprimoramos sua adaptação, genética e qualidade. Os irônicos destinos cruzados dessas cobiçadas commodities vão levá-las de volta, nesse começo de século 21, para seus respectivos locais de origem.
A mudança climática já iniciou a pôr em xeque a tecnologia agrícola que desenvolvemos até hoje e nos obriga a buscar, às pressas, novos processos de domesticação e seleção que antes levavam séculos. Eis assim que a indústria do café tem hoje de ir buscar uma chance de futuro na diversidade genética de variedades originais dos planaltos etíopes, enquanto aquela do cacau tem de fazer o mesmo ao longo dos rios da Amazônia. As variedades que hoje caracterizam o mercado são extremamente vulneráveis. E as melhores, as que evoluíram em determinados terroirs, tendem a ser menos resilientes frente aos fenômenos climáticos extremos do nosso tempo.
Primeiro se deram conta disso as indústrias que mais agregam valor, como as vinícolas, que na década passada começaram a buscar áreas com potencial de aptidão e que foram objeto de expressiva especulação imobiliária, como o icônico caso de Sussex, na Inglaterra, para os produtores de Champagne. Agora veio a hora de cadeias como as de cacau e café, mas também de feijão, crustáceos, bivalves... Na fila vêm logo commodities como milho ou trigo, que ainda estão na fase de contabilizar prejuízos.
Muitos acham que seria suficiente deslocar cultivos para regiões mais frias. Não é simples assim. O próprio aquecimento médio é incerto, entre dois e seis graus ao longo do século, mas principalmente não se trata apenas de temperatura. Em alguns locais a maior precipitação – pelos ciclos hidrológicos mais acelerados – inviabiliza o cultivo, em outros o calor requer mais irrigação e falta água.
Já aproveitar áreas mais elevadas e frias implica mudar tecnologia, pois mecanização, logística ou fertilidade tipicamente esbarram na topografia. No caso dos pescados, o problema reside na acidificação dos oceanos devida a mais CO2 na atmosfera. E às vezes o custo de produção fica inviável, ou a perda de qualidade não justifica a mudança.
Há um paradoxo: a comida não é só vítima da mudança climática, é também causa. Entre as fontes de gases estufa oriundos da produção de alimentos, há dois fenômenos que refletem problemas estruturais do modelo atual, e que deveriam ser eliminados independentemente do clima: de um lado, perda e desperdício de comida; de outro, desmatamento e queimadas utilizados para produção. Juntas, tais emissões atingem 7 giga toneladas de CO2 – o equivalente, por ano, a algo semelhante às emissões de Europa, Brasil e Índia juntos.
A forma em que escolhemos, cozinhamos e comemos diariamente o bife ou o arroz influencia assim a vulnerabilidade de todos os alimentos. Mudar comportamentos de consumo é mais do que necessário, para prevenir o pior, mas pelo que já emitimos até hoje não há mais como evitar alterações expressivas. Eis porque um dos grandes desafios da cadeia do alimento se chama adaptação, e requer participação ativa, informada e criativa do cozinheiro para direcionar e induzir a inovação.