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Comida

Delicadezas gastronômicas

Ovos de pata, presente de Neide Rigo (Foto: Janaina Fidalgo)

Ovo de pata frito com arroz fresco para confortar a alma (. Foto: Janaina Fidalgo)Foto: Janaina Fidalgo)

Foram dois gestos, os dois no mesmo dia. O primeiro começou na noite anterior. Estava jantando num restaurante que, por mais que você se esforce para ser discreto e manter o ouvido desligado, acaba escutando a conversa da mesa vizinha. Tenho mania de captar fragmentos de diálogos alheios. Mas naquela noite, para minha alegria, como descobriria depois, o ouvido atento não foi o meu.

Falávamos sobre viagens. Começamos na Chapada Diamantina, passamos pelo Jalapão, Bonito e Pantanal até chegar a Alter do Chão, no Pará. E em mesa de gente que gosta de comer todo assunto inevitavelmente vira comida. Não havia como não passar por Belém e suas delícias: açaí (o verdadeiro, não o de paulista) com peixe frito, maniçoba, tucupi, tacacá, sorvetes da Cairú, aviú, tambaqui, picacuí, farinha-d’-água, pato no tucupi e tantas outras palavras cheias de “is” e “us”.

Quando levantamos, uma mulher da mesa ao lado chamou: “Desculpa, mas ouvi a conversa de vocês. Como conhece essas coisas todas?”. Foi assim que o diálogo começou e durou por uns bons 15 minutos. Era uma mesa só de paraenses. Contei que havia sido “iniciada” nas coisas de lá da melhor maneira: num Círio de Belém, acolhida por uma família paraense – e quem é de Belém, ou já foi para lá nesta época, sabe bem do que estou falando. Círio é como Natal, festa de família das boas. Daí a alegria de ser recebida no núcleo de uma família que vive a celebração intensamente.

O papo estava animado, mas tínhamos de ir embora. Já era quase uma da manhã, e aquele era nosso quarto e último jantar da noite. Estávamos, eu e mais três jurados, em uma blitz do Prêmio Paladar – ninguém, além de nós quatro, sabia que estávamos ali numa missão, a trabalho. Ao me despedir, a moça que puxou a conversa de início pediu meu telefone: “Quero te mandar um pato no tucupi, posso?” Fiquei surpresa. Conhecia e admirava a delicadeza paraense, mas não esperava tal oferecimento. “Pode, é claro!”, disse, algo incrédula. (Será que ela entrará em contato para cumprir a promessa?, pensei, confesso, ao sair do restaurante.)

Paulistana equivocada. Isso é o que eu fui. Sheila – é este o nome dela – não só me ligou na manhã seguinte, como, extremamente gentil, falou da alegria de encontrar por aqui gente que gostava e conhecia comidas caras a ela. Pediu meu endereço e entregou na minha casa uma travessa de pato no tucupi devidamente acompanhada por farinha-d’água e pimenta no tucupi.

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Fiquei tocada com o gesto, com a delicadeza, o cuidado, a simpatia de uma “estranha”. Mal sabia Sheila o valor que a comida ocupa na minha vida, o quanto isto tem o poder de acionar o botão da emoção. O pato estava uma delícia e alegrou várias refeições – tanto que nem lembrei de tirar uma foto. Mas o maior prazer foi a delicadeza do oferecimento.

E o dia de iluminação gastronômica não parou no pato. Continuou com mais um cuidado, um carinho em forma de ovos. De ovos de pata. No dia anterior, conversando com Neide Rigo, do Come-se, comentei que tinha uma deficiência de formação “ovólatra”: nunca havia provado os de pata. E eis que Neide chega, no último jantar daquele dia, com uma linda cestinha com um par de ovos de pata “fabricados” em Fartura, o sítio dos pais dela. Ao lado deles, pimentas, ervas frescas e flores. Tudo com o maior capricho. E o coração acolhido uma vez mais, feliz.

Ovo de pata frito com arroz fresco para confortar a alma ( Foto: Janaina Fidalgo)

Foi há mais de mês, mas a sensação boa de se sentir acolhido com comida é indelével. E calhou de o post nascer hoje, no quinto dia do mês. Apesar de não dar bola para a mística da “mudança” de ano, encanta pensar que uma vida boa e feliz se constrói a cada dia. A cada gesto. E com delicadezas como essas.

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