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Comida

Enlatadas artesanalmente

Na costa portuguesa, uma velha fábrica resiste bravamente à massificação. Nela, sardinhas são limpas uma a uma, cozidas levemente no vapor e acomodadas aos pares em suas latinhas. Tudo por hábeis mãos femininas

FOTOS: Georges Desrues/Arquivo PessoalFoto:

Por Cíntia Bertolino

MATOSINHOS, PORTUGAL - Um prédio antigo na pequena cidade costeira de Matosinhos, ao sul do Porto, mantém viva a memória e o savoir-faire de um ofício em extinção: a preparação artesanal de sardinhas em lata. Antes que se questione o uso de “artesanal” e “lata” na mesma frase, palavras quase tão difíceis de misturar quanto água e óleo, uma visita à Fábrica de Conservas de Pinhais se faz necessária.

O hall de entrada do prédio de dois andares remete às construções portuguesas do início do século 20, com assoalho de piso geométrico e meia-parede revestida de azulejos. O pequeno hall é a porta de entrada para um galpão imenso onde trabalham 120 mulheres vestidas com avental e touca cor de laranja.

FOTOS: Georges Desrues/Arquivo Pessoal 

Fundada em 1926, a Fábrica de Conservas Pinhais é a única empresa portuguesa que continua fiel aos tradicionais métodos de produção de sardinha em lata.

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No auge da temporada de pesca, de junho a dezembro, os barcos partem de madrugada e as sardinhas começam a chegar à fábrica pela manhã, tendo início a elaboração das conservas.

Assim que são descarregadas elas são dispostas em uma grande pia, onde começa a limpeza. Cabeça, rabo e entranha são descartados (e vendidos para fabricantes de ração) e as sardinhas limpas são acomodadas uma a uma em posição vertical, quase em pé, em suportes de metal.

Enquanto são cozidas levemente no vapor, um grupo de mulheres se divide ao lado da esteira rolante. As latas vazias surgem na esteira e as funcionárias adicionam manualmente os condimentos. Um a um. Primeiro a pimenta, depois o pepino. O desfile segue lento e repetitivo até a lata chegar ao fim da linha com cravo, cenoura, piripiri, louro.

Na etapa seguinte, dois pedaços grandes de sardinha são acomodados habilidosamente em cada lata. Depois disso, em outra ala da fábrica, as latas vão sendo mergulhadas em uma pia funda cheia de azeite de oliva extravirgem. Emergem pingando azeite de Mirandela, região portuguesa conhecida por produzir óleo de ótima qualidade.

Era de se esperar que, com o pescado fresquíssimo e ingredientes de qualidade, Pinhais produzisse uma grande variedade de receitas de sardinhas enlatadas. Mas eles se especializaram em apenas três, embaladas com a marca Nuri, que é exportada para Europa, EUA e América Latina. Todas são conservadas em azeite extravirgem.

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A primeira é levemente picante (sente-se a pimenta de forma agradável); a outra leva molho de tomate (denso e saboroso, o molho pede um bom pedaço de pão); já a sardinha em azeite extravirgem, a clássica, escancara a qualidade do produto: é enlatada sem temperos, para manter o foco no peixe.

Uma boa sardinha, como é o caso dessas, deve preservar a textura e o brilho platinado-azulado da pele. As de Pinhais têm a carne firme, que se desprende com facilidade, sem esfacelar.

OUVIR O VÁCUOO trabalho na Fábrica de Conservas de Pinhais é majoritariamente feminino e algumas mulheres exercem uma função bastante especializada: como as que conferem se o processo foi bem feito. A tarefa delas é bater uma lata na outra delicadamente e, pelo som, identificar as latas que foram lacradas com ar dentro, o que é um defeito do processo. As latas lacradas com ar produzem um som sutilmente diferente e são descartadas de imediato.

A mais antiga funcionária da fábrica tem 82 anos e trabalha ali há 40. Mas a atividade dessas conserveiras corre o risco de desaparecer. “As jovens não estão interessadas em aprender esse tipo de ofício, que está em extinção”, lamenta Carolina Soares.

Nos anos 1970 e 1980, Matosinhos abrigava mais de 50 fábricas de conserva artesanal de sardinha. A industrialização acabou com as empresas locais e hoje, além da principal, que é a Fábrica de Conservas de Pinhais, há apenas uma outra, menor.

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