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Espanha aprende a produzir trufas, mas não a comê-las

Região montanhosa do centro-leste da Espanha prospera com crescimento da produção de trufas, mas chefs ainda não incorporam a iguaria aos seus pratos

Eladio Salvador Redón, grande produtor de trufas da região, emprega cinco colhedores, todos do Marrocos. Eles cavam em torno das raízes das árvores que os cachorros treinados para achar trufas apontam. Foto: Arnau Bach|The New York TimesFoto: Arnau Bach|The New York Times

The New York Times De Sarrión, Espanha

Nas noites de sábado, potenciais compradores se reúnem na periferia da pequena Sarrión. Na escuridão de um estacionamento perto de uma estação de trem abandonada, inspecionam com lanternas as ofertas que os fazendeiros locais empilharam no porta-malas de seus veículos, depois negociam o preço. Pode ser uma maneira estranhamente clandestina de vender alguma coisa, mas esse mercado comercializa um dos produtos alimentícios mais preciosos do mundo, a trufa negra. Talvez ainda mais surpreendente seja o fato de que um mercado de trufas esteja prosperando aqui, nas colinas áridas e esparsamente povoadas do centro-leste da Espanha.

Eladio Salvador Redón, grande produtor de trufas da região, emprega cinco colhedores, todos do Marrocos. Eles cavam em torno das raízes das árvores que os cachorros treinados para achar trufas apontam. Foto: Arnau Bach|The New York Times

A trufa negra, com seu aroma pungente, é, afinal, um pilar fundamental da gastronomia francesa. Os espanhóis quase não as comem. Conhecida cientificamente como Tuber melanosporum, também é chamada de trufa Périgord, nome da região francesa que, por muito tempo, liderou sua produção. Há mais de um século, os fazendeiros do sul da França começaram a plantar trufas negras, depois que uma epidemia de pulgão filoxera destruiu os vinhedos, forçando-os a procurar alternativas. Mas a plantação da trufa na região entrou em colapso no século passado, quando as guerras e a industrialização encorajaram os fazendeiros a mudar para culturas com ciclos mais curtos de produção. Mais recentemente, as mudanças climáticas – secas severas e ondas de calor – também prejudicaram as lavouras. “Com as ondas de calor que tivemos nos últimos tempos, minha plantação hoje produz muito pouco”, conta José-Gabriel Sánchez, que planta trufas em Cotignac, no departamento de Var, no sul da França. “Acredito que as mudanças climáticas literalmente inviabilizaram a produção de trufas nesta área”, afirma ele.

Cachorros com olfatos sensíveis são treinados para encontrar trufas, que nascem nas raízes de árvores. Foto: Arnau Bach|The New York Times

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Em 2014, a França produziu 56 toneladas métricas de trufas, comparado com um pico de 1.040 toneladas em 1904, de acordo com dados históricos da federação francesa de plantadores de trufas. Ao mesmo tempo, a produção espanhola cresceu rapidamente – para cerca de 45 toneladas por ano. Para a sorte dos franceses e de outros gourmets, no entanto, a culinária espanhola raramente usa trufas. Na verdade, cerca de 95% do que a Espanha produz é exportado para a França e para outros mercados – mesmo que parte delas seja rotulada novamente como trufas Périgord. “A Espanha está produzindo agora o que falta na França”, explica o francês Eric Bienvenu, atravessador de trufas, que as compra de fazendeiros para vender aos restaurantes franceses. A qualidade da trufa negra espanhola, afirma ele, é “quase tão boa” quanto as que crescem na França, “apesar de a maioria dos franceses dizer que as deles são melhores”. Para 2016, o governo regional de Aragão, na Espanha, prometeu pagar a maior parte de um sistema de irrigação de 17,5 milhões de dólares que vai ajudar quem planta trufas. “É evidente que a Espanha nos últimos anos tem trabalhado muito para aumentar a produção, o que não foi feito na França”, afirma Michel Courvoisier, diretor da federação francesa. A mudança para a Espanha teve a ajuda de um método desenvolvido inicialmente na França que permite que o fungo seja injetado na raiz de mudas de árvores. Elas então crescem em uma estufa antes da transferência para o campo. Depois de cerca de três anos, cada árvore começa a produzir uma trufa por ano, que é colhida entre dezembro e março.

A produção espanhola deve seu crescimento a um método desenvolvido na França: os fungos são injetados na raízes de uma muda, que cresce em uma estufa antes de ir para o solo. Foto: Arnau Bach|The New York Times

As trufas crescem poucos centímetros debaixo da terra, mas seu cheiro é perceptível para cachorros de caça treinados pelos fazendeiros para encontrá-las, como cães farejadores que são ensinados pela polícia. As trufas já se tornaram um grande negócio aqui, o que ajudou a diminuir o declínio da população nas vilas em volta do distrito de Gúdar Javalambre, das quais Sarrión, com seus 1.100 habitantes, é a maior. “Fizemos de tudo para reviver as plantações aqui e liderar a produção de trufas da Europa, mas agora queremos o reconhecimento internacional”, afirma Joaquín Olona, responsável pelo desenvolvimento rural na área do governo regional de Aragão. As trufas também ajudaram a diversificar a população trazendo trabalhadores migrantes. Eladio Salvador Redón, dono de uma fazenda de trufas, emprega cinco colhedores, todos marroquinos. Eles passam a maior parte do dia de trabalho ajoelhados, cavando em volta das raízes das árvores com uma espátula sempre que um cachorro para e começa a arranhar o solo. “É um trabalho bom, mas difícil, especialmente porque o inverno pode ser bem frio aqui”, conta El Mostafa Marnouch, de 35 anos, de Casablanca. Ele diz ganhar 800 euros por mês, cerca de US$ 874, colhendo trufas. A trufa negra tem um preço de venda no atacado de pelo menos 500 euros por quilo, ou cerca de US$ 546, de acordo com fazendeiros locais. Isso fez com que muitos deles colocassem câmeras nos campos, e ao mesmo tempo explica por que transportam e vendem suas trufas de maneira quase secreta.

A trufa mais procurada, no entanto, é a branca, que cresce principalmente na região do Piemonte, na Itália, e custa cerca de cinco vezes mais do que as negras. Em dezembro de 2014, um tubérculo branco gigante foi leiloado na Sotherby’s por US$ 61.250. Apesar de a trufa branca ter um aroma distinto, parte de seu apelo tem a ver com o fato de ser rara: cresce apenas na natureza e até hoje resistiu aos esforços científicos de cultivo.

Câmeras nas plantações, negociações em armazéns escuros: a segurança e a discrição são justificadas pelo preço médio das trufas negras: 500 euros por quilo. Foto: Arnau Bach|The New York Times

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Os produtores daqui estimam que o distrito de Gúdar Javalambre hoje seja responsável por mais da metade da produção de trufas da Europa. De acordo com a federação francesa, no entanto, a produção espanhola ainda está um pouco atrás da francesa. Nesta temporada, o leste da Espanha tem tido um inverno particularmente leve e seco, o que provavelmente atrasará a colheita. De qualquer maneira, conseguir informações comparativas do setor das trufas é complicado porque o negócio é “completamente opaco”, explica Bienvenu, o atravessador francês. Eles diz que três quartos de suas transações são feitos em dinheiro vivo, principalmente porque os fazendeiros não querem lidar com papeladas de cobrança. Em dezembro, as autoridades regionais de Aragão publicaram a primeira lista de preços oficiais para trufas, em parte para tirar os vendedores da escuridão do mercado no estacionamento. “Precisamos deixar esse setor muito mais transparente”, afirma José Manuel Martínez Matías, engenheiro agrícola que ajuda a administrar a associação dos produtores de trufas. Um sistema oficial de preços, explica ele, poderia encorajar os donos de restaurantes da Espanha a colocar trufas em seus menus. “Hoje em dia, é muito difícil para quem não é do ramo descobrir como comprar trufas”, avisa ele. Rafael Doñate, produtor local, diz que o maior desafio para os agricultores, no entanto, não são os preços obscuros ou as mudanças climáticas, mas persuadir os espanhóis e os chefs a colocar trufas em suas cozinhas. “A trufa é o elemento que falta à culinária espanhola”, afirma.

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