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Esqueça a arte. Cozinha é matemática

Marina MariaEspecial para o Estado

Esqueça a arte. Cozinha é  matemáticaFoto:

Cozinha não é arte. Pelo menos não a base dela, que se aproxima muito mais das ciências exatas – matemática, física, química. Assim, eliminando toda e qualquer poesia, dá para dizer que cozinhar é basicamente aplicar fórmulas e respeitar proporções. É claro que talento, domínio da técnica e a qualidade dos produtos fazem diferença na hora preparar um prato. Mas a essência está nas fórmulas.

Para o escritor e cozinheiro americano Michael Ruhlman, os fundamentos da cozinha podem ser traduzidos num conjunto de 33 proporções básicas e é disso o que trata seu livro Ratio: The Simple Codes Behind the Craft of Everyday Cooking (Ed. Scribner, Estados Unidos), que em tradução livre quer dizer “proporção: os simples códigos por trás da arte de cozinhar todos os dias” e não tem edição em português.

FOTOS: Felipe Rau/Estadão

Fascinado pela ideia de cozinhar a partir de proporções em vez de receitas, Ruhlman passou a investigar o tema. Concentrou-se na importância de entender como os elementos básicos – farinha, água, manteiga, óleo, leite e ovos – reagem e interagem entre si dando origem a diferentes preparações. A partir daí, defende, é possível fazer experimentações, inventar.

Das 33 proporções básicas que ele explora em seu livro, escolhemos cinco para apresentar nesta edição: pão, massa, vinagrete, torta e bolo. Elas são um roteiro para quem quer se iniciar no mundo das proporções culinárias.

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Pesos e medidas

Não basta decorar as proporções. O sucesso das equações culinárias depende da medição de cada ingrediente com rigor, por isso, as proporções são sempre baseadas em peso e não volume. É aí que entra a balança.

Usar xícaras e colheres pode ser uma armadilha, já que eles variam de tamanho e mesmo colheres e xícaras medidoras nem sempre seguem padrões. Além disso, faz grande diferença também o jeito como a farinha ou a manteiga são colocadas na xícara – em alguns casos, isso pode causar alteração de até 50% no peso final.

Outra questão fundamental é manter a ordem de entrada dos ingredientes: na cozinha, não vale o princípio básico da multiplicação – a ordem dos fatores altera, sim, o produto. Quer um bom exemplo? A fórmula de bolo básica é igual à do pão de ló. Mas a ordem de entrada dos ingredientes e a maneira de usá-los faz dois bolos diferentes.

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Conhecer as proporções é o primeiro passo. Só depois que ele estiver dominado pode-se pensar em se aventurar pelas receitas. Mas é preciso cuidado. “A medida de um componente em relação ao outro é científica. Se mexer demais, você perde o equilíbrio e a receita dá errado”, diz o chef Ricardo Praglioli, especialista em panificação e pâtisserie, que passou por escolas francesas tradicionais como Lenôtre e o Instituto Paul Bocuse. “Usamos essas fórmulas para, a partir delas, criar algo novo, mais autoral”, diz. Entre as adaptações preferidas do chef está a troca de 30% da farinha de trigo por farinha de amêndoas na base de tortas doces.

O segredo, diz Praglioli, é começar devagar, aumentando ou diminuindo em 10% um ingrediente, por exemplo. Outro jeito de criar novos sabores – este mais seguro mesmo para iniciantes – é brincar com aromas, utilizando temperos, ervas aromáticas e raspas de cítricos.

PÃO 5 PARTES DE ÁGUA: 3 PARTES DE FARINHA

O ponto de partida do pão clássico é usar 5 partes de farinha de trigo para 3 partes de água. Mas, além disso, a massa deve levar também fermento e sal, em quantidades que variam. Como as quantidades dos dois ingredientes são pequenas, Rulhman não colocou na fórmula. Até porque a proporção depende das características desejadas no pão. Mas, de forma geral, são 2 gramas de sal para cada 100 gramas de farinha. Já a quantidade de fermento biológico depende de ele ser fresco ou seco. Porém, quanto mais fermento, mais rápido o pão cresce – e menos tempo tem para desenvolver seu sabor.

Ingredientes 500g de farinha 300g de água morna 10g de sal 5g de fermento biológico seco

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1. Misture a farinha e o sal. Polvilhe o fermento na água e deixe descansar por dez minutos, até surgirem pequenas bolhas na superfície.

2. Acrescente a água com fermento à farinha, aos poucos, misturando com uma colher grande e quando a massa ficar pesada, troque a colher pelas mãos. Sove por aproximadamente 15 minutos, ou até que a massa desgrude facilmente das mãos, mas ainda esteja úmida e elástica.

3. Transfira para uma tigela e cubra com filme plástico. Deixe fermentar até dobrar de volume, cerca de uma hora. Para testar, pressione levemente a superfície do pão com o indicador. A marca do dedo deve ficar visível e em seguida desaparecer lentamente.

4. Preaqueça o forno a 200°C por 45 minutos. Enquanto isso, retire a massa da tigela e dê o formato. Transfira para uma assadeira, cubra com um pano e deixe fermentar até finalizar o tempo de aquecimento do forno. Asse por 10 minutos, depois reduza a temperatura para 180°C e continue assando por cerca de 45 minutos, até o topo estar dourado.

Quando você estiver pronto para variar, experimente: - Rechear o pão: use ingredientes variados, como azeitonas (sem caroço), nozes, linguiça calabresa picada, etc, adicionados à massa quase no final da sova. Deixe fermentar, dê o formato desejado e asse conforme a receita. O mesmo pode ser feito com alecrim, tomilho e orégano picados, entre outras ervas. - Fazer pão doce: use chocolate amargo picado e uvas passas, damascos picados, cranberries secas ou uma combinação destes. Ah, e claro, não se esqueça de eliminar o sal da massa.

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VINAGRETE 1 PARTE DE VINAGRE: 3 PARTES DE ÓLEO

O vinagrete é um basicamente uma emulsão feita de óleo e vinagre, com adição de diferentes ervas, temperos e condimentos. É um clássico da culinária francesa e tem diferentes aplicações, de saladas às carnes.

Ingredientes 60g de vinagre de vinho tinto 180g de óleo de canola 2g de sal

Misture o sal no vinagre até dissolver – pode ser em uma tigela ou no liquidificador. Sem parar de mexer, vá colocando o óleo em fio, até formar uma emulsão. Tempere a gosto e use em seguida.

Quando estiver pronto para ousar experimente: -Variar o óleo: use azeite, óleo de gergelim e até o óleo onde o bacon foi frito para dar sabor ao vinagrete. - Variar o ácido: além dos vários tipos de vinagres, como o de vinho tinto, de arroz ou balsâmico, é possível usar suco de limão ou laranja. - Variar o sabor: adicione um pouco de mostarda, pimenta fresca picadinha ou castanhas trituradas à proporção básica.

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MASSA 3 PARTES DE FARINHA: DUAS PARTES DE OVO

Uma cuoca italiana faz a massa sem medidas, adicionando farinha ao ovo batido até obter uma pasta homogênea, úmida e elástica, que ela conhece só de tocar. Mas, para quem está começando, eis a proporção áurea da massa. Com uma dica adicional: para calcular a quantidade de massa por pessoa, o autor sugere contar um ovo por convidado. Assim, 300g de farinha e 200g de ovos (cerca de quatro unidades) vão fazer massa suficiente para quatro pessoas.

Ingredientes 300g de farinha de trigo 200g de ovos (cerca de 4 ovos)

1. Coloque a farinha de trigo em uma tigela grande e faça um buraco no centro. 2. Ponha os ovos no buraco e use um garfo para ir batendo os ovos ao mesmo tempo em que incorpora a farinha. Quando a massa ficar pesada para mexer com garfo, use as mãos para misturar até obter uma massa homogênea. 3. Sove a massa por cerca de dez minutos até que fique lisa e elástica. Embrulhe em papel filme e deixe descansar por cerca de meia hora (ou guarde na geladeira por no máximo um dia). 4. Divida a massa em quatro partes iguais e abra cada uma na máquina ou com uma rolo grande até a espessura desejada. Corte no formato escolhido.

Quando você estiver pronto para variar, experimente: - Diferentes formatos: a massa básica pode virar espaguete, lasanha, canelone, ravióli… - Colorir a massa: refogue e bata o espinafre num processador até virar um purê, retire o excesso de água com a ajuda de uma peneira e adicione à massa, colocando um pouco mais de farinha para compensar a adição de umidade.

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BOLO 1 PARTE DE MANTEIGA : 1 PARTE DE AÇÚCAR: 1 PARTE DE OVO: 1 PARTE DE FARINHA

A fórmula do bolo simples é igual ao do pão de ló. O que muda é a maneira de combinar os ingredientes. O método simples dá origem a pequenas bolhas de ar, deixando a massa firme. No pão de ló, as bolhas são maiores, e massa, aerada e fofa. O fermento é opcional. O bolo cresce mesmo sem ele, mas para garantir uma textura leve, acrescente 5g para cada 100g de farinha.

Ingredientes 200g de manteiga 200g de açúcar 200g de ovos (cerca de 4 ovos) 200g de farinha de trigo

Preaqueça o forno a 180°C. Unte e enfarinhe uma forma de bolo inglês de 22 cm de comprimento. Bata a manteiga por um minuto na batedeira. Adicione o açúcar e continue batendo até a mistura fica clara e fofa. Junte os ovos, um de cada vez. Reduza a velocidade e ponha a farinha, batendo só para misturar. Transfira para a forma preparada e asse por cerca de 40 minutos ou até que o topo esteja dourado e um palito saia seco ao ser espetado no centro do bolo.

Quando estiver pronto para ousar experimente: - Aromatizar: coloque 15ml de suco e raspas de limão tahiti, de limão siciliano, de laranja ou de mexerica. Ou então 5ml de extrato de baunilha. - Fazer um pão de ló: use a mesma proporção, mas comece batendo os ovos e o açúcar até triplicar de volume. Incorpore a farinha e, se quiser, junte em seguida manteiga derretida (ela deixa a massa mais rica e saborosa).

TORTA 3 PARTES DE FARINHA: 2 PARTES DE GORDURA: 1 PARTE DE ÁGUA

A parte mais variável dessa proporção é o líquido – por conta disso, o negócio é ir vertendo o líquido devagar, sentindo a consistência da massa para evitar que passe do ponto ou que fique seca. A quantidade de líquido necessária tem relação direta com o tipo de gordura utilizado, que pode ter mais ou menos água. Em resumo, a massa pode precisar de mais ou menos líquido para chegar à textura desejada, dependendo inclusive de condições de temperatura, portanto, teste.

Ingredientes 150g de farinha de trigo 100g de manteiga gelada cortada em cubinhos 50 ml de água gelada

1. Junte a manteiga e a farinha em uma vasilha e, trabalhando rápido com as mãos, faça movimentos para “esfarelar” os cubinhos até formar uma farofa grossa e irregular. Pingue água aos poucos e trabalhe rapidamente, apenas até que seja possível formar uma massa coesa (mas cuidado, se trabalhada demais, o glúten se desenvolve muito e a massa ficará dura). 2. Embrulhe a massa em papel filme e leve à geladeira por 15 minutos. 3. Enfarinhe uma superfície e abra a massa com um rolo. Transfira para uma forma de 22 cm e pressione o fundo e as laterais, cortando o excesso das bordas. Ponha o recheio desejado e leve ao forno ou asse previamente a massa – nesse caso, cubra a massa com um papel alumínio e coloque feijões para servir de peso, evitando que a massa inche. Asse a base da torta em forno preaquecido a 180°C por 20 minutos. Retire o papel alumínio e o peso e asse por aproximadamente mais 10 minutos ou até dourar levemente.

Quando estiver pronto para ousar experimente: - Variar o líquido: use leite integral e iogurte no lugar da água, para mudar o sabor da massa. - Variar a gordura: além de manteiga, é possível usar banha de porco ou gordura vegetal. Eles mudam o sabor. - Variar o sabor da massa: acrescente uma pitada de sal ou parmesão ralado para fazer quiche. Para uma torta doce, coloque açúcar (40g para cada 150g de farinha). Também dá certo trocar um terço da farinha de trigo por farinha de amêndoas, castanhas ou nozes.

>>Veja a íntegra da edição do Paladar de 30/7/2015

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