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Comida

Fazendas urbanas verticais aproximam, ainda mais, o plantar do comer

Entre quatro paredes e em ambiente climatizado, empresas cultivam brotos, flores e verduras no meio da cidade

Área cultivável da Fazenda Cubo, em Pinheiros. Foto: Tiago Queiroz/EstadãoFoto: Tiago Queiroz/Estadão

A poucos metros da Avenida Faria Lima, em meio à barulhenta e movimentada Rua Deputado Lacerda Franco, brotam hortaliças, ervas e pancs (as plantas alimentícias não convencionais). Poucas horas depois de colhidas, vão parar no prato de restaurantes do mesmo bairro. As plantas crescem na Fazenda Cubo, localizada no número 100 dessa rua de Pinheiros.

Área cultivável da Fazenda Cubo, em Pinheiros. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Não tente procurar uma fazenda tradicional, com cerca, trator ou mesmo terra. Você não vai encontrar. Substitua tudo isso por milhares de lâmpadas de LED, prateleiras empilhadas e pessoas trabalhando com toucas, aventais e protetores de calçados, em um ambiente asséptico.

Esse é o cenário típico de uma fazenda urbana indoor, conceito ainda novo por aqui. Nela, os alimentos são cultivados em um ambiente totalmente controlado, fechado e alimentado por luzes de LED, que simulam a luz do sol. Água e adubo são fornecidos por meio de um sistema de irrigação circular 

Como o nome já entrega, a Fazenda Cubo não é nada grande (é menor que muito apartamento da região), mas nos seus pouco mais de 90 m² já produz mais de 30 tipos de plantas. São pelo menos quatro variedades de alface, além de ervas, brotos, flores e pancs, como capuchinha ou trevo-roxo.

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Brotos, florese verduras são cultivados na Fazenda Cubo por sistema de hidroponia. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A primeira colheita da fazenda ocorreu em agosto e hoje já fornece ervas e hortaliças para restaurantes como os do grupo Più, que conta com três casas e está para abrir a quarta. 

A Fazenda Cubo é fruto do sonho do engenheiro ambiental Paulo Bressiani, de 30 anos. Depois de trabalhar por cinco anos em fundos de investimento, ele decidiu apostar em algo que unisse seus verdadeiros interesses, agricultura e tecnologia, e que tivesse algum impacto positivo no planeta. Viu no modelo, que está cada vez mais popular ao redor do mundo, uma forma de fazer isso. Seu principal propósito é aproximar o plantar do comer. Por isso, a escolha do local não foi por acaso. 

O engenheiro ambiental Paulo Bressiani orgulhoso com a colheita da Fazenda Cuba. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Instalado num bairro repleto de restaurantes, ele colhe e entrega os produtos no mesmo dia. Assim, elimina uma importante etapa na cadeia, o transporte. Consequentemente, reduz a emissão de CO². Também evita perdas – de acordo com a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa), elas chegam a 35% nesse caminho. O frescor é uma consequência. A sustentabilidade do modelo vai além: com o sistema de hidroponia, ele consome até 90% menos água do que a agricultura tradicional.

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Hiperlocal

“É uma nova fronteira do conceito farm to table (da fazenda à mesa)”, afirma Cesar Costa, chef do restaurante Corrutela, que trabalha perto de seus fornecedores e quase exclusivamente com produtos orgânicos certificados. Mesmo sem o selo, as hortaliças da Cubo já fazem parte do menu da casa.

“Como não plantamos em terra, não podemos ter a certificação, é apenas uma questão de legislação”, garante Bressiani. As hortaliças da fazenda vertical não recebem nenhum tipo de agrotóxico, tampouco pesticidas (afinal, não há insetos no ambiente). Nem cloro é usado na lavagem das folhas, em razão das condições de higiene em que são plantadas e colhidas.

Mil-folhas de alface (da Fazenda Cubo)com nata e quinoa crocante, prato do Corrutela. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

“As vantagens de trabalhar com uma fazenda urbana são inúmeras”, diz o chef do Corrutela. “Além da baixa emissão de CO², recebo um produto vivo poucas horas depois de ter sido colhido.” 

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Cesar criou um prato com a alface roxa da Cubo que busca traduzir um pouco disso, um mil-folhas onde esconde, entre as camadas das folhas, quinoa crocante e outras ervas da fazenda, como orégano e erva-doce. O buquê é finalizado com nata temperada com vinagre de hibisco e óleo de manjericão limão, também da fazenda. “Só tiro a raiz da alface e passo uma água, mal a manipulo, assim evito a oxidação. É a alface inteira ali, meu trabalho é deixá-la o mais viva possível no prato.”

Paulo Bressiani (em pé), da Fazenda Cubo, entrega encomenda ao chef Marcelo Laskani, do Più. Foto: Lucas Terribili

Outra vantagem destacada por Cesar é a sazonalidade: dentro da fazenda fechada é possível simular primavera, verão ou inverno e, assim, prever e garantir os ingredientes com a mesma qualidade e padrão o ano inteiro.

A sustentabilidade e proximidade também foram os pontos que motivaram o chef Marcelo Laskani, do italiano Più, a apostar nos produtos da Cubo. Atualmente, todas as folhas usadas nas saladas do grupo são fornecidas pela Cubo. “Tem dias que algum produto acaba, eu só ligo para o Paulo, ele colhe na hora e em 20 minutos as folhas estão na minha mão”, conta o chef. 

Panini de atum com beterraba e azedinha (da Fazenda Cubo), prato do Più. Foto: Lucas Terribili

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Os dois já exploram uma nova faceta do negócio, a plantação sob demanda. Laskani queria introduzir folhas de azedinha em um dos pratos da casa. Ele deu as sementes para Paulo, que estudou e conseguiu desenvolver a planta nas prateleiras de sua fazenda.

E lembra da missão de Paulo, de aproximar o plantar do comer? Pois então, desde janeiro ele vende seus produtos (alfaces, ervas, couve kale, brotos) também para o público, na lojinha instalada bem em frente à plantação. De uma janela de vidro, inclusive, é possível ver a área de cultivo. 

Mas a Fazenda Cubo não é a primeira a investir nesse formato em São Paulo. Mais voltada para o varejo, a Pink Farms nasceu como projeto ambicioso de três amigos em 2016. O embrião tomou forma e hoje a fazenda vertical indoor ocupa um galpão próximo à Ceagesp, com 200 m² de área produtiva.

Lâmpadas de LED rosa simulam a luz do sol na Pink Farms, na Vila Leopoldina. Foto: Pink Farms

Usando uma tecnologia parecida com a da Cubo – mas em escala maior –, eles colheram sua primeira safra em maio do ano passado. Hoje, as folhas e os brotos da Pink Farms (o nome é uma referência às cores das lâmpadas de LED usadas para simular a luz do sol) são encontradas em diferentes mercados, empórios e também restaurantes.

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Lá fora

O modelo já é amplamente usado em cidades ao redor do mundo, principalmente aquelas com problemas de abastecimento de alimentos. Em Cingapura, por exemplo, que sofre com escassez de terra para plantio, as fazendas verticais se proliferam por todos os lados, com grandes incentivos do governo. De acordo com a Agência de Agricultura e Veterinária do país, até o primeiro trimestre de 2018 havia 26 fazendas verticais cobertas por lá.

Ambiente da fazenda indoor Farm One, em Nova York. Foto: Farm One

Nos Estados Unidos, uma fazenda vertical fechada se destaca: a Farm One, em Nova York. Instalada no subsolo do restaurante Atera, duas estrelas Michelin, no bairro de Tribeca, ela produz mais de 180 espécies de plantas.

A Farm One se especializou em variedades (brotos, folhas e flores) pouco comuns, as nossas pancs, para atender especialmente restaurantes da cidade mais gastronômica do mundo. A maioria é plantada sob encomenda. Elas são entregues de metrô ou bicicleta, diminuindo ainda mais as emissões de carbono.

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Quem sabe em um futuro próximo (e é bem possível que sim) teremos mais pés de alface e de rúcula brotando em lugares cada vez mais improváveis. 

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