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O encontro da gastronomia com a sustentabilidade

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Prato-cabeça

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Moda vai, moda vem, mas o que se põe na boca tem de ser gostoso

Entre as modinhas do hemisfério norte que adentram 2017, tem uma até sedutora: beber chocolate quente com vinho tinto; deve pegar logo em Gramado e Campos do Jordão

Janeiro é mês de aprendizados na cozinha: é quando descobrimos que poke virou o novo lámen, fermentação o novo food truck, torrada de abacate o novo ceviche, chia a nova sriracha... ou talvez sriracha a nova chia?

De passagem pelo hemisfério norte – na saudade de minhas panelas – aproveito para me atualizar com três modinhas básicas para 2017. A primeira é que, em qualquer local com temperatura abaixo de 25ºC, tornou-se obrigatório tomar chocolate quente com vinho tinto. No Brasil a coisa pegará logo em Gramado e Campos do Jordão, mas não excluo que surjam até quiosques de praia com ar condicionado especialmente dedicados a praticar a nova religião. A mistura, admito, não desagrada o paladar... embora não dedicarei as próximas colunas a averiguar se o trinitário da Bahia harmoniza melhor com Malbec ou com Barbera.

A segunda moda é a proliferação do hambúrguer vegano, entre veganos ocasionais. Vale usar qualquer ingrediente que possa ser amassado e prensado em forma de disco: de quinoa a beterraba, de lentilha a berinjela, de banana a couve-flor. Ora, se o hambúrguer é uma forma inteligente de otimizar o aproveitamento de partes do boi menos desejadas pelo mercado, sua versão vegana rebaixa o vegetal a um substituto de carne barata, imitação de algo que se tornou proibido. É a prova de que a história, e o hambúrguer, só se repetem como farsa. A prática não é pensada como um prazer, mas como uma penalidade, a expiação assertiva de uma suposta culpa social. A paródia não atende outra exigência a não ser a de estigmatizar os que comem o hambúrguer de verdade.

Poke, moda que veio dos Estados Unidos e chegou no ano passado a São Paulo Foto: Felipe Rau|Estadão

Já se o propósito fosse o de comer bem promovendo o ingrediente vegetal, a trivialização em voga encontraria farta inspiração nas grandes culturas culinárias que o enalteceram: em quase todo o Mediterrâneo, na Índia meridional, no Oriente Médio, em regiões do Japão - como Okinawa – e até no nosso vizinho Peru. Ou poderia buscar referências cultas com aqueles notáveis da cozinha contemporânea que se dedicaram a estudar o vegetal como protagonista, e não mero coadjuvante, de Alain Passard a Jean Luc Rabanel, de Thomas Keller a Alex Atala, de René Redzepi a Yotam Ottolenghi, para citar alguns.

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O terceiro mandamento globalizado, nessa época da pós-verdade, é o “clean eating”. Juram que esse veio para ficar. Pelo menos até janeiro que vem. Não há definição clara do movimento, mas em geral é uma forma de comer baseada em “superalimentos”, via de regra promovida por alguma blogger jovem, magra e atraente, que recomenda produtos caros e um conceito de vida vinculado à pureza. Remete a uma noção de natureza como algo distante, e muito limpinho. Da mesma forma, quanto menos a comida sujar panelas e pratos, melhor.

Uma subcelebridade clean eater me explicou que gordura é um veneno e que lactose é parte de um complô para intoxicar o mundo. Assim ela eliminou o leite da dieta do filho, substituindo-o por açaí, um superalimento. Ufa, ainda bem que ao menino não vai mesmo faltar gordura - tão essencial para o crescimento dele! - uma vez que trocou os 5% que contém um bom leite pelos 20% de um bom açaí. Prefiro não contar para ela: vai que muda para salsão.

Enfim, as modinhas de janeiro passam, já nossa relação com o alimento continua, por certo. Para sobrevivermos entre as últimas e as próximas manias - e até aproveitarmos aquelas mais sedutoras - é preciso que elas passem em dois crivos fundamentais: informação confiável e atendimento do gosto. Porque o agridoce picantinho da sriracha, convenhamos, é uma delícia.

Na nova moda do hemisfério norte, chocolate quente se mistura a vinho tinto na taça Foto: Andrew Scrivani|NYT

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