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Comida

Muito além da panela

Por Cíntia BertolinoEspecial para o Estado

Deu caldo. Foram dias de muita comida, bebida e debate sobre a gastronomia brasileira. FOTO: Felipe Rau/EstadãoFoto:

Muitas imagens ilustram o que foi (e o que não foi?) o 7º Paladar – Cozinha do Brasil. Esta ao lado, por exemplo. Durante três dias, chefs, cozinheiros, palestrantes e participantes chegaram a “fundir” cabeça, toque e panela, sempre envoltos no mistério da criação culinária.

Não deu para escapar. Não que alguém quisesse… As aulas foram pontuadas por comida, bebida e reflexão – listamos abaixo as cinco ideias que marcaram o evento.

As salas de aula se transformaram em um grande laboratório de troca de conhecimento e sabores – físicos e metafísicos.

Falou-se do que vai além da panela. Decretou-se o fim da era dos cozinheiros que não compartilham. Por todos os lados, nas salas, nos corredores, na parada para um café, era comum ver um cozinheiro assuntando o outro.

Deu caldo. Foram dias de muita comida, bebida e debate sobre a gastronomia brasileira. FOTO: Felipe Rau/Estadão 

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“O Brasil são muitos brasis”, disse Rodrigo Oliveira. “O Brasil do baiano é diferente do Brasil do paulista”, lembrou Edinho Engel. As fronteiras da cozinha e da comida se ampliaram e implodiram. Globalmente.

Novos paradigmas surgiram. Nosso doce tão doce não precisa ser assim, afinal. E o doce menos doce se fez presente na Investigação Doce de Neide Rigo, Mara Salles e Ana Soares.

Na palestra Da Cozinha Nórdica para o Mundo, o pesquisador Mark Emil Tholstrup Hermansen defendeu a volta ao inexplorado, sem esquecer o gosto pela aventura. “Tudo pode ser comestível. Mas algumas coisas terão consequências”, alertou. E a história da formiguinha suscitou o debate sobre a interpretação cultural do gosto. O que tem gosto bom para mim, tem gosto bom para você?

Hermansen, organizador do Mad, simpósio criado por René Redzepi, faz parte de um think thank de gastronomia, junto com o Nordic Food Lab. Foi a atenção aos produtos locais, puxada pelo Noma, que desencadeou a valorização da cozinha nórdica.

O debate sobre tradição e criação foi particularmente rico. Muitas questões surgiram. Algumas, ainda, sem resposta. Mas em um ponto muitos pareceram concordar: a vanguarda na cozinha depende de um equilíbrio ousado entre o velho e o novo. Está calcada na imprevisibilidade do acaso criativo, amparada pelo conhecimento.

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5 PONTOS

Não tão doce A tradicional doçaria brasileira nasceu sob o signo do muito açúcar – da compota à cocada. A aula de Ana Soares, Mara Salles e Neide Rigo, Investigação Doce, saiu em busca de uma doçura que respeitasse a delicadeza dos ingredientes. E surpreendeu com um doce não tão doce assim. Da pesquisa emergiram receitas, histórias e uma doçaria que andava soterrada sob uma montanha de açúcar.

 Fermentatividade Fermentar é preciso. Assim é, desde os primórdios da civilização. Agora, sem a obrigatoriedade de fermentar apenas para conservar ou melhorar a digestibilidade do alimento, é hora de explorar a complexidade de sabor que o ingrediente fermentado confere às receitas (como este bolo de massa puba, ao lado). Com a ajuda de alguns microrganismos, aquele prato conhecido se transforma em algo novo.

 Língua única Em um mundo gastronômico descentralizado, a comida virou língua universal. O padeiro inglês experimenta a mesma preocupação da cozinheira brasileira com o resultado culinário. O pesquisador dinamarquês olha para a natureza selvagem, assim como a chef gaúcha Helena Rizzo. E se alguém ainda tinha alguma dúvida sobre a implosão das fronteiras, uma degustação guiada por Luiz Horta, crítico de vinhos do Paladar, acabou com ela. A surpresa foi o Cabernet Sauvignon vindo da China, cultivado a 1.100 metros de altitude.

Forçar limites Quem decide o que é comestível? Quem decide o que não é? Nessa questão de gosto entra a interpretação cultural do sabor, a herança adquirida. Há alguns anos, quem imaginaria comer um brigadeiro de priprioca (ao lado), planta cuja raiz é usada na perfumaria? Às vezes o limite entre o apetitoso e o intragável é tênue. É aí que reside uma das missões dos chefs: forçar os limites, preparar as pessoas para se abrirem ao novo, ao inusitado.

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O velho e o novo O chef Alberto Landgraf cravou: “Nem toda ideia é boa”. Um cozinheiro precisa encarar muitas ideias ruins quando assume os riscos de criar. O embate criação versus tradição inflamou o debate. “Sem inovação não há tradição que se mantenha viva”, disse um artesão japonês de missô a Mark Emil Tholstrup Hermansen. Helena Rizzo anda em busca do que foi esquecido, das velhas práticas. Em um ponto, todos parecem concordar: é preciso conhecer o velho para criar o novo.

>> Veja todas as notícias da edição do Paladar de 9/5/2013

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