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Na Espanha, direto do barco. E aqui?

Depoimento: Rafael Costa e Silva*

Na Espanha, direto do barco. E aqui?Foto:

Gostaria de perguntar a donos de restaurante e chefs de cozinha: quantas vezes vocês já foram conversar com pescadores? Sabem onde se faz a pesca artesanal mais próxima? E qual a temporada de cada peixe? Bem, posso adiantar-lhes que salmão e linguado não estão em temporada o ano todo. E que a Ceasa e a Ceagesp não são o lugar onde se pesca…

Quando cheguei ao Mugaritz, na Espanha, o restaurante tinha oito anos e não comprava peixe diretamente de um barco. Em meu terceiro ano na casa, quando era responsável pela cozinha, conseguimos eliminar os intermediários. Gastei praticamente quatro meses madrugando e conhecendo pessoas no porto e fora dele. Horas e horas sem fim. E, uma vez criado o relacionamento, o próximo passo ainda era convencer um dos capitães de barco de anzol a nos deixar pescar com ele. Nos oferecemos para fazer qualquer coisa – limpar, cozinhar.

Para nossa surpresa, um dos capitães que mais admirávamos se ofereceu para nos levar quantas vezes pudéssemos aguentar. No dia seguinte, eu e mais duas pessoas do Mugaritz embarcamos para uma pesca de txitxarro, da família da cavalinha. Foi especial: um dia e meio de pesca rápida, dinâmica e rica.

Eram todos pescadores superprofissionais, práticos. Assim que acabou a pescaria, limpamos o barco todo e estocamos os peixes em abundante gelo limpo. Depois de todo o trabalho feito, sentamos na cabine do barco. Um dos pescadores começou a limpar os peixes e suas ovas, passou rapidamente por uma farinha e fritou. Foi mágico. Outro trouxe pão e garrafas de vinho. Vieram as histórias. O que mais nos impressionou foi o orgulho dos pescadores pela profissão.

Começamos a comprar diretamente com o capitão. Sempre estávamos lá quando o barco chegava ao porto. Escolhíamos as caixas do que mais gostássemos, colocávamos no carro e levávamos para o restaurante. Era complicado, cansativo, nos tomava muito tempo. Mas era gratificante: o produto era de qualidade espetacular!

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Depois de quase dez anos fora do Brasil, acho engraçado quando uma pessoa me diz que “não tem peixe fresco, o mercado aqui é horrível, está tudo errado”. Realmente, muito da cadeia pesqueira no Brasil está errado. Começa pela falta de orgulho do pescador pela profissão e pelo pouco valor dado a ele pela sociedade; passa pelo não incentivo à pesca artesanal e a falta de controle com os arrastões; e chega à quantidade de intermediários que tocam no peixe antes que você possa comê-lo, em casa ou no restaurante.

Mas estamos tentando aqui no Rio, como nossa pequena contribuição, falar com os reais pescadores, fazer um relacionamento com eles. E, num futuro breve, comprar direto no barco.

*É CHEF DO LASAI, RESTAURANTE QUE ABRE NO FIM DESTE MÊS NO RIO DE JANEIRO

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 13/2/2014

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