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Comida

O artilheiro pipoca

Por J.A. Dias Lopes

O artilheiro pipocaFoto:

Já que estamos no mês da pipoca, obrigatória nas festas juninas ao lado de outras benesses do milho, a começar pela canjica, convém lembrar que ela não traz apenas alegria às crianças e aos adultos. Também é coadjuvante da magia.

O presidente do Santos, Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro, o Laor, que o diga. Desde 2010, ele come pipoca em campo enquanto torce pelo seu clube. A superstição começou na semifinal da Copa do Brasil contra o Grêmio. “Precisávamos vencer, mas estava difícil”, conta. “Então, pedi que me trouxessem um saco de pipocas. Os gols do Santos saíram em seguida.” Laor continua convencido de que seu time só foi massacrado no ano passado pelo Barcelona, em Yokohama, na final da Copa do Mundo de Clubes, por falta da pipoca. “No Japão não existe carrocinha de pipoqueiro no estádio”, lamenta.

Seu amuleto já havia produzido uma expressão esportiva. Em futebol, a palavra pipoqueiro não indica apenas o sujeito que estoura milho para vender à torcida. Designa também o atacante que “salta” nas bolas divididas, por temer o vigor do marcador. É, ainda, o time ou jogador que atua bem no campeonato inteiro e, quando os torcedores esperam dele um grande desempenho, decepciona-os. Boa parte da torcida do São Paulo chamava Kaká de pipoqueiro, pouco antes de o meia ser vendido ao Milan – onde acabaria eleito o melhor do mundo em 2007.

A magia da pipoca se deve ao fenômeno da sua transformação. O mais feio e duro dos grãos de milho, quando levado ao fogo, converte-se em uma florzinha branca, macia e deliciosa. Explode com o calor porque contém água no interior. O estouro acontece pela expansão do vapor dentro do grão. Simples, não é? Mas os povos nativos da América – o milho de pipoca e os demais surgiram há milênios em nosso continente – não pensavam assim. Os astecas e incas achavam que espíritos se escondiam dentro do grão e só o calor os expulsava. Nas cerimônias fúnebres e em variadas liturgias, ornamentavam as estátuas dos deuses com pipoca.

Os negros que vieram da África como escravos desconheciam aqueles grãos nutritivos que os índios inicialmente levavam ao fogo na espiga inteira, enfiada em um espeto, e depois passaram a lançar no borralho – antes do consumo, sopravam as cinzas. Foi nessa modalidade de preparo que os conheceu Jean-Baptiste Debret, desenhista e pintor da Missão Artística Francesa (1816). “Os selvagens (…) preparam as pipocas simplesmente jogando os grãos de milho (…) nas brasas”, escreveu.

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Deslumbrados com aquele estouro, os negros a incorporaram aos seus cultos. A pipoca se converteu em comida ritual e oferenda predileta de Omolu, o orixá nagô que pode trazer e levar a doença. Passou a ser feita na panela com óleo, em outros lugares com areia, como antigamente. Depois, colocam a pipoca em um alguidar (recipiente de barro) enfeitada com pedacinhos de coco. Às vezes a jogam sobre o doente, como descarrego. Ela ainda figura nas homenagens aos pretos velhos (salgada) e nas festas de Cosme e Damião (doce).

Hoje, para os adeptos das religiões afro-brasileiras, simboliza as transformações da vida. Todos nós somos igualmente “estourados” pelo fogo. Rubem Alves, na crônica A Pipoca, um de seus textos mais inspirados, publicado no livro O Amor que Acende a Lua (Papirus Editora, Campinas, 12ª edição, 2006), interpretou essa reflexão: “O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão – sofrimentos cujas causas ignoramos”. Mas a frase mais transcendente de Alves talvez seja esta: “Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira”. Em um ponto o presidente do Santos está certo: para os brasileiros, pipoca não é só comida.

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