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O intrigante azul do jenipapo verde

Fruta é excelente para colorir alimentos de azul. Afinal, quem não gosta de comida colorida?

Até recentemente jenipapo estava na minha pequena lista de frutas a serem evitadas. Acontece que no mês passado, no evento HortPanc organizado pela Embrapa Hortaliças, em Brasília, descobri como lidar com os dois estágios de maturação que me assustavam. O primeiro é o fruto verde, que é inodoro mas repulsivo in natura, de tão amargo. O segundo, super maduro, tem perfume forte e agradável mas design pouco atrativo, cor de burro quando foge, todo amassado, aparência de estragado. Para comer puro também não é gostoso, muito ácido. 

Pois agora amo jenipapo em todas as fases, de todo tamanho, com qualquer aparência. Basta saber preparar. 

In natura. Verde só serve para dar cor Foto: Neide Rigo|Estadão

Neste evento, do qual participei de uma mesa redonda, aprendi a fazer o bolo azul com o também palestrante Valdely Kinupp, cuja receita está em seu livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) no Brasil, escrito junto com Harri Lorenzi. E pelas mãos de outra participante do seminário, a agricultora e cozinheira Ana Lúcia Fernandes Pereira, fui apresentada ao mais delicioso jeito de se comer jenipapo maduro – fatiado, sem pele e sem sementes, polvilhado com açúcar e deixado na geladeira para servir como compota. O único problema é que é viciante. Foi dela que ganhei também três jenipapos verdes para explorar. 

Do jenipapo maduro poderia ainda citar as bolinhas deliciosas comuns em algumas regiões do Nordeste, as marmeladas, os licores, os sorvetes, as fatias douradas com açúcar e canela e tantos outros usos com os quais não tenho intimidade alguma, mas agora quero ter. Portanto, quando for época do fruto maduro, voltaremos a ele. 

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Mas do jenipapo verde pouco temos notícia, a não ser que incautos compram nos supermercados sem saber como comer ou como preparar. Não, não servem para compotas nem geleias. E jamais amadurecerão. Antes, se estragarão. O mercado vende assim porque o fruto maduro não atrai – embora os amassados sejam os perfeitos para o uso. Já os verdes, se não servem pra comer, servem pra quê? Para colorir de azul! Quem não gosta de comida colorida? 

Tons de azul. Bolinhos de feijão fradinho Foto: Neide Rigo|Estadão

A Genipa americana L., nome da planta, está distribuída nas áreas tropicais e subtropicais da América Latina e no Brasil pode ser encontrada no Norte, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste. Seu nome jenipapo vem do tupi-guarani nhandipab ou jandipab que quer dizer “fruto que serve para pintar”, muito usado nos grafismos corporais de várias etnias indígenas. O fruto verde – polpa, casca e tecidos que envolvem as sementes – contém genipina, substância isolada pela primeira vez em 1960, que reage com proteínas e aminoácidos livres e, na presença de oxigênio, dá origem a um pigmento de cor azul. 

Há estudos bioquímicos sobre a influência da temperatura, da luz, da acidez e do oxigênio na expressão de vários tons de azuis, visando especialmente a indústria alimentícia carente de corantes azulados não sintéticos, afinal são poucos alimentos naturalmente azuis. Alguns deles arroxeados se tornam azuis em meio alcalino, caso do repolho roxo e dos mirtilos, mas como a maioria dos alimentos tendem a ser neutros ou ácidos, o azul raramente aparece. E quase não há referências sobre o uso do jenipapo verde na cozinha. Talvez porque ancestralmente o azul estivesse mais relacionado a alimentos estragados e mofados, daí não ser a cor mais atrativa ao paladar humano, diferentemente do vermelho, amarelo e laranja, associados ao sabor adocicado. Se bem que no sudeste asiático há vários alimentos azuis pigmentados com a flor da Clitoria ternatea ou feijão-borboleta, sobre o qual já falei aqui – para ver colunas anteriores, é só clicar aqui. E também aprendemos a comer e apreciar queijos azuis. Então, é uma cor a ser incorporada no prato de todo dia. 

O queijo azul de kefir com tortilha Foto: Neide Rigo|Estadão

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O fruto que serve para pintar

Mal cheguei em casa e quis testar o pigmento. De início fiz um pão azul. Errei na dose – usei dois frutos batidos e peneirados com parte da água que usaria na massa, para meio quilo de farinha. Entrou no forno uma massa bege saiu assado um pão preto como carvão. E amargo. Fui ajustando a dose até chegar a 1/8 do fruto para meio quilo de farinha. Aí sim, ficou azulado e sem amargor.

Sempre parti de um suco feito com ele – 1/8 do fruto para uma xícara de água. Basta tirar a pele com descascador de legumes e dividir (sempre de luvas porque o pigmento preto que ficará nas mãos por nove dias). Bata bem, peneire e use o suco. Os pedaços duram uma semana na geladeira. Usei na massa do pão, em panquecas de arroz, no bolinho de feijão como acarajé, nas tortilhas de trigo e até num queijo de kefir. 

Macarrão. A cor vem do leite puro fermentado, batido com uma fatia da fruta, fervido e coado Foto: Neide Rigo|Estadão

Concluí que o azul se expressa melhor em alimentos cozidos fermentados – talvez por ter mais aminoácidos livres, isto é um suposição. Não dá pra fazer suco azul porque a genipina precisa de calor (a menos que o suco fermente de um dia para outro). 

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As panquecas de arroz só ficaram azuis depois de um descanso. É necessário esperar para o pigmento começar a aparecer. Isto também aconteceu com a tortilha e os spätzle. Só quando a temperatura diminuiu, o azul apareceu. No caso do pão e dos bolinhos de feijão o miolo já sai azulado. Com leite, o pigmento também se sai bem. Bati com um pouco de kefir, coei e levei ao fogo. A mistura ganhou tom de azul celeste e, misturada a mais kefir e depois drenada, resultou num pequeno queijo azulado. Já com tapioca – hidratei o polvilho de mandioca com o suco, nada aconteceu. Talvez por ser rica em amido mas pobre em proteínas. Leite puro não fermentado batido com uma fatia da fruta, fervido e coado pode ser usado para fazer sobremesas e também macarrão. Ainda há muito a ser explorado.

O pão que foi difícil de acertar Foto: Neide Rigo|Estadão

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