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Comida

O picadinho que não desafinava

Por Dias Lopes

O picadinho que não desafinavaFoto:

A bossa nova foi lançada no Rio de Janeiro em finais da década de 1950 e dez anos depois arrefecia. Mas o estrogonofe, o prato que saboreavam Tom Jobim, João Gilberto, Luís Bonfá, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Sylvinha Telles e Nara Leão, continua a fazer sucesso. É uma das receitas mais populares do Brasil, com espaguete e asanha à bolonhesa, bife à milanesa e nhoque de batata.

Ruy Castro, no livro Chega de Saudade (Companhia das Letras, 1999), registra a predileção do movimento. O prato coroou encontro do grupo, em fins de 1959, para reportagem da revista O Cruzeiro, na casa do pianista Bené Nunes, na Gávea. A reunião só foi interrompida por volta de meia-noite, para Dulce Nunes, mulher do anfitrião, servir estrogonofe. Ruy Castro lembra que o prato era o must das reuniões ali. “Enquanto ele era digerido, a música continuava, já então com a participação da dona da casa como cantora – muito admirada por todos, inclusive por sua voz”, diz.

A jovem guarda, que nasceu na TV Record de São Paulo em 1965, também foi embalada pelo estrogonofe. Erasmo Carlos conheceu o prato em uma boate e passou a pedi-lo sempre. “O nome da delícia me remetia ao high society”, recorda ele na autobiografia Minha Fama de Mau (Objetiva, 2009).

Querendo impressionar a namorada, Erasmo Carlos entrou no restaurante Gigetto, em São Paulo, e pediu um estrogonofe carregando nos efes. Quando veio o prato, achou-o diferente. A cor não era a mesma. Mas na primeira garfada viu que se enganara. “Pouco acostumado às mesas de restaurantes, onde a luz é mais intensa, demorei a perceber que o molho do estrogonofe só era mais escuro na penumbra das boates.”

O estrogonofe nasceu na cozinha do palácio dos Stroganov, em São Petersburgo, na Rússia. Foi introduzido no Rio em princípios dos anos 1950, pelo barão austríaco Max von Stuckart, dono da boate Vogue, na Av. Princesa Isabel, em Copacabana. A comida era excelente. O chef russo Gregório Berezanski ganhava US$ 4 mil por mês, mais hospedagem.

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Descobrimos as circunstâncias em que o barão lançou o estrogonofe. Segundo Henrique Veltman, ex-chefe de redação dos jornais cariocas Última Hora e O Globo, Stuckart oferecia gratuitamente aos repórteres que cobriam a noite o mesmo picadinho. Cansado do cardápio invariável, o jornalista Ibrahim Sued foi se queixar ao anfitrião. O barão acolheu a reclamação e passou a servir uma receita diferente. Levava carne bovina em tiras, smétane (creme de leite azedo) e champignons de Paris. “Colunas e reportagens, a partir dali, cantaram as virtudes e a nobreza do prato, que invadiu a cozinha dos emergentes cariocas”, diz Veltman.

Stuckart, um aristocrata que usava ternos ingleses e óculos tartaruga, era ligeiramente calvo, media em torno de 1,70 m e pesava cerca de 80 kg. Veio para o Brasil em 1944, contratado pelo Copacabana Palace como diretor artístico do salão de shows do hotel. Depois do incêndio que destruiu o prédio onde a Vogue se encontrava, em 1955, ganhou um emprego na Varig.

Passou a cuidar do cardápio de bordo do luxuoso Super G Constellation, um avião de motor a pistão que fazia a rota Porto Alegre-Nova York. No livro Quase Tudo – Memórias (Companhia das Letras, 2005), Danuza Leão informa que o barão introduziu outros pratos clássicos no Rio, entre os quais o supremo de frango à kiev (o peito da ave recheado com manteiga, empanado e frito). Essa receita, porém, não chegou a seduzir a “tchurma” da bossa nova.

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