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Pegue a milhagem e boa viagem

A colunista fala sobre a versatilidade do milho

FOTO: Neide Rigo/Arquivo Pessoal 

Fotos: Neide Rigo/ Arquivo Pessoal

Desde as primeiras edições do Revelando São Paulo, um evento anual que acontecia tradicionalmente no Parque da Água Branca e agora está na Vila Guilherme, eu contava os dias para chegar setembro. É a única oportunidade do ano em que passeio pelas cidades do meu Estado sem precisar tirar férias. Trata-se de uma festa popular realizada pelo governo do Estado e pela Abaçaí Cultura e Arte, com o propósito de valorizar a cultura tradicional das cidades paulistas.

Já vou avisando que, num primeiro olhar, e dependendo da hora e do dia, talvez você ache tudo meio bagunçado, um pouco sempre igual, muito lotado, com comida remexida e ressecada nas panelas de barro. Mas, como em toda viagem, é preciso tempo e “despreconceito” para desvendar as cidades, as comidas, os ingredientes e as gentes do lugar – sempre tão sabidas, solícitas e simpáticas.

Só mesmo parando em cada estande para conversar que se descobre aquilo que não aparece no balcão nem nos livros. Se estiver com disposição para isso, vai mergulhar num universo cultural incomparável a qualquer tratado de comida paulista.

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Falo do evento com atraso – acabou no domingo. Mas, por favor, não me xingue no caso de não ter ido. Afinal, estou avisando agora, com bastante antecedência para a próxima edição: anote aí na agenda para o ano que vem. Enquanto isso, há ainda outros Revelando realizados em diferentes meses do ano: o do Vale do Paraíba, em São José dos Campos; Vale do Ribeira, em Iguape e Entre Serras e Águas, em Atibaia.

SP revela o milharal. O uso do milho depende do ponto. Às vezes, vem uma homarada para colher as espigas na roça enquanto as mulheres ficam lidando na cozinha, fofocando, rindo e areando a bacia para pamonha, separando a peneira, o ralador e as tirinhas de palha seca. No balaio, chega milho de todo jeito, que homem não é bom na escolha, mas mulher também não pode fazer tudo sempre.

E isso não é de todo ruim, afinal vem o milho inguirim, com grãos clarinhos e doces, cabelo ainda brilhoso e grudado na espiga. Esse vai para a panela, de ferro ou de barro, com um pouco de gordura de porco e alho frito, para fazer um refogado com bastante cheiro-verde que serve de mistura para o arroz e feijão. Se granado de menos vira refogado, maduro demais se transforma em bolinho ou curau.

Para o bolinho, basta ralar o milho, e a massa úmida só precisará de sal, sem farinha, ovos, leite ou fermento. Se tiver, um pouco de salsinha ou cebolinha, e nada mais. Frita-se às colheradas e come-se com café.

As espigas para pamonha são aquelas que soltam o cabelo seco num só puxão. Têm grãos graúdos, firmes e leitosos, fáceis de ralar, com amido exato para dar corpo às pamonhas. O trabalho em mutirão segue até a tarde. É hora de passar o café e desatar os amarrilhos da palha bem quente. Quando aprendeu tudo isso? Sei lá, diz d. Cida, de Palmital, que sabe de milho desde menina, está ali só por hobby e cultiva orquídeas.

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Já o Andrezinho do Padre, de São José dos Campos, que sempre tira férias do emprego público nesta época do ano só para vir mostrar o que mais gosta de fazer, conta que o segredo de um bom curau é não ter muito leite, pois ele tira todo o sabor do milho, e a proporção certa é de duas partes de água para uma de leite, seja o milho ralado ou batido no liquidificador. De todo jeito, passa em peneira para o creme ficar bem lisinho. A massa da pamonha batida também passa por peneira. Se fosse a espiga ralada não passaria, porque nos buracos do ralador só passa a película fininha e macia, mas quem dá conta de ralar dez toneladas de milho? É o que ele usa enquanto está ali. E para fazer suco, é só bater no liquidificador um pouco do curau pronto com água gelada e açúcar ou leite condensado até ficar com consistência de suco cremoso.

De Sorocaba pra lá você acha. De Sorocaba pra cá, já é difícil. Lá em Itapeva todo mundo faz. O que é, o que é? É o encapotado de frango que d. Soeli aprendeu a fazer com 12 anos, amassando bem a farinha de milho escaldada com o caldo do frango cuja carne vai no recheio. O segredo é juntar à massa três colheres de polvilho azedo. Colher de sopa, Soeli? “Não, não. De servir arroz, bem grandona. A massa fica sequinha, sem um nada de gordura, que o polvilho não deixa chupar”, ela ensina.

Ione Cância, de Jacareí, também aprendeu de menina a trabalhar a massa de farinha de milho, só que do branco, até ficar macia para modelar bolinhos recheados de linguiça, patrimônio de sua cidade. A massa já é cozida, então frita só um pouco até leve dourado, senão o bolinho fica duro. É a sua dica.

“Meu vizinho tem um moinho de pedra e este fubá é do sítio dele. Você pode levar o fubá ou comprar a broa na folha de bananeira feita com ele”, oferece Cida do Trailler, de São Francisco Xavier. Lá, recebe o nome de joão-deitado, mas responde também por courisco, mané pelado, pau a pique ou cobu, a depender do lugar. “Tem ovo caipira. Quer ovo? A galinha só cisca, só come milho, tem uns pernões, carne escura. Nada de ração, só milho mesmo. Tem gema vermelhinha o ovo, quer?” Quero.

FESTA DO INTERIOR

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Pamonha. Feita com grãos graúdos de milho, firmes e leitosos, fáceis de ralar e com amido exato para dar corpo ao doce

  

Doce de jaracatiá. A novidade, de Santo Antônio da Alegria, é feita com o tronco ralado da árvore

 

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João-deitado. Broa de fubá na folha de bananeira, de São Francisco Xavier

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