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Comida

Por uma cozinha que nasce no campo

Por cinco dias, Turim foi a capital do Slow Food. Nos dois megaeventos do movimento culinário-político que privilegia o alimento ‘bom, limpo e justo’, o Brasil esteve representado por uma robusta delegação de cem pessoas

Por uma cozinha que nasce no campoFoto:

Por Cintia BertolinoDe Turim, Itália, especial para o Estado

Durante cinco dias, a cidade de Turim, na Itália, recebeu mais de 220 mil pessoas para o Salone del Gusto e o Terra Madre, eventos organizados pelo Slow Food, que acabaram na segunda, 29.

Pelos cinco pavilhões dos dois eventos paralelos, as pessoas conheceram culturas culinárias do mundo todo e participaram de workshops, conferências, degustações e oficinas.

A dupla Salone del Gusto/Terra Madre leva à risca a máxima “comer é um ato agrícola”, do escritor, pensador e fazendeiro americano Wendell Berry. As conferências do Salone del Gusto têm viés político e reúnem pessoas determinadas a lutar pelo alimento “bom, limpo e justo”.

Dois megaeventos do movimento culinário-político que privilegia o alimento ‘bom, limpo e justo’. FOTOS: Divulgação/Slow Food

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Nas apresentações, chefs estrelados não se limitam a falar de técnicas culinárias. Eles entram no território da cozinha como forma de mudar o mundo.

“O chef do futuro deve entrar na cozinha com as mãos sujas de terra”, disse Massimo Bottura, do restaurante Osteria Francescana que, neste ano, recebeu sua terceira estrela do Guia Michelin.

Bottura comandou diversas atividades. Durante a degustação de aceto balsamico tradicional de Modena, enquanto o público experimentava quatro vinagres especiais (um envelhecido por 12 anos e outros três maturados por 25), ele exaltava os produtos de sua região: “Meus músculos cresceram com parmigiano reggiano e nas minhas veias corre aceto balsamico”.

Roberta Sudbrack, do restaurante homônimo no Rio de Janeiro, que se dirigiu a uma plateia lotada, também falou da importância de trabalhar o ingrediente com reverência. “O mise-en-place começa no campo”, disse, para em seguida, concluir: “Minha filosofia se baseia na simplicidade. Um caminho um pouco avesso da gastronomia atual. Deixo o produto se expressar. Não quero transformar o ingrediente em algo que ele não é”.

O ‘lado prático’ do discurso político: produtos e produtores de cem países dos cinco continentes.

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Terra Madre. Paralelo ao Salone del Gusto, o Terra Madre é a face prática desse discurso que coloca o campo e o produtor no centro da mesa e na cozinha. A feira de produtores teve como critério exibir os produtos que fazem parte da Arca do Gosto e Fortaleza (projetos do Slow Food que apoiam ingredientes e técnicas tradicionais ameaçadas de extinção).

A feira reuniu produtos e produtores de mais de cem países espalhados pelos cinco continentes. O Brasil estava representado por uma grande comitiva formada por mais de cem pessoas, entre pesquisadores, chefs de cozinha e produtores, que levaram uma grande variedade de produtos – dos usados por todos, como a farinha de mandioca, aos que causam estranhamento mesmo em quem vive no País, caso do licuri.

Pelo mundo. No Terra Madre era possível ser apresentado, por exemplo, ao grubenkraut, ou repolho do poço, iguaria produzida nas montanhas austríacas que estava quase desaparecendo nos anos 1970, quando dois fazendeiros decidiram resgatá-lo.

O processo é simples, mas demorado: primeiro lava-se o repolho inteiro, em seguida ele é branqueado por alguns minutos em água quente e posto para secar ao sol. Só então é envolvido em palha e levado a poços com 4 metros de profundidade. A fermentação natural preserva o repolho por cerca de dois anos e garante um sabor delicado, levemente ácido e salgado.

Da remota região de Pamir, no Tajiquistão, vêm as amoras doces e crocantes secas ao sol por 20 dias. As amoras douradas viram também geleias e biscoitos. Por estarem desidratadas, conservam-se até o inverno. O passeio segue pelas ostras de Pra-Ar-Coum, na Bretanha, o delicioso zataar libanês, ventresca de atum de Jean de Luz, no País Basco francês, o enorme melão waharman do Turcomenistão, o saboroso queijo de cabra com estragão maturado em potes de barro da Armênia, o intenso Clarín, rum haitiano, as cervejas artesanais inglesas, o café selvagem de Harenna, na Etiópia.

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HISTÓRIA EMPRATADA

O mais copiado: passatina con gamberi, de Pierangelini. FOTO: Paolo Castiglioni/Divulgação

Ninguém entendeu nada quando, em 2009, o toscano Fulvio Pierangelini fechou seu restaurante, Gambero Rosso, em San Vincenzo. Na cozinha do duas estrelas Michelin, Pierangelini criou pratos memoráveis. O mais famoso foi a passatina di ceci con gamberi (veja a receita). Com simplicidade franciscana, o purê de grão-de-bico com camarões leva seis ingredientes e foi tão copiado que o jornalista Paolo Marchi escreveu: “Se Pierangelini recebesse um euro por cada cópia da passatina di ceci, hoje estaria muito rico”.

Pierangelini contou a história e o modo de preparo da receita na série de aulas Pratos que Fizeram História. A série teve também Davide Scabin, do Combal. Zero, em Turim, e seu cyber egg, preparado com gema, vodca, chalota e caviar. Os ingredientes são colocados em bolha plástica. O prato chega à mesa com um bisturi no lugar do talher. O truque é furar a embalagem e sugar o conteúdo. Criado em 1998, o prato é dos mais pedidos no restaurante turinense duas estrelas Michelin.

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