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O encontro da gastronomia com a sustentabilidade

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Prato-cabeça

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Pragas invasoras como o javaporco e o pitu podem se provar deliciosas iguarias

Em abundância devido ao desequilíbrio ambiental alguns animais como capivaras, javaporcos entre outros podem ser uma ótima fonte de renda assim como render ótimos pratos

Outro dia fui cozinhar no Festival do Pinhão, em Campos do Jordão. Me pediram para criar uma receita com o javaporco, híbrido suíno que prolifera na Serra da Mantiqueira. A noite acabou com o público degustando um brasato com essa carne de sabor intenso. No dia seguinte, já em Belém, fui convidado para uma degustação pelos chefs Ilca do Carmo e Paulo Anijar, do Santa Chicória. Me deparei com um prato memorável: um pitu da ilha fluvial do Mosqueiro, no estuário amazônico, grelhado e acompanhado por farofa de ovas do crustáceo.

O javaporco é um híbrido suíno que prolifera na Mantiqueira Foto: Antônio José Lopes do Carmo|Estadão

Javaporco e pitu têm muito em comum: ambos deliciosos, ambos viraram praga invasora. É destino de muitas espécies introduzidas no Brasil, mesmo com boas intenções: em algum momento geram algum desequilíbrio ambiental, problema sanitário ou dano econômico. Ou todos juntos. Invasores nem sempre são exóticos. Às vezes trata-se de espécies nativas que encontram condições distorcidas de reprodução, pela ausência de predadores ou pelo acesso a alimento artificialmente abundante.

O controle dos invasores pode beneficiar o mundo da gastronomia com iguarias notáveis, além de prestar um serviço socioambiental para a sociedade e prover uma fonte de renda sustentável para muitas pessoas no meio rural, incluindo manejo, abate, beneficiamento, comercialização, pesquisa e turismo.

Um exemplo é o do queixada, animal cujo manejo pode representar expressivo negócio no campo, tanto por sua finíssima carne – das melhores entre animais nativos, com a da paca – como pela pele valorizada. Quando o queixada some, extingue-se a onça: é o que já ocorreu no Parque de Iguaçu e ameaça acontecer no único refúgio protegido da onça pintada no Brasil central, o Parque Nacional das Emas, Patrimônio Natural da Humanidade.

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Mas por que pode sumir o queixada? Paradoxalmente, porque abunda alimento nos arredores do parque, com grandes monoculturas de milho. Ao provocar sérios danos ao cultivo, o animal acaba dizimado pelos agricultores, cujos pleitos para as autoridades ambientais autorizarem seu manejo são ignorados há muitos anos.

Camarão pitu. Uma iguaria que virou praga Foto: Divulgação

Outro caso é o da capivara, hoje um dilema em todo sudeste do Brasil, especialmente próximo aos reservatórios de água. Com falta de predadores devida à redução de ambientes naturais, além de ameaça para agricultura, tornou-se problema de saúde pública, com a transmissão da febre maculosa. Por outro lado, trata-se de uma máquina de proteína altamente produtiva: com seu manejo, extremamente barato por ser um herbívoro generalista adaptável, pode se atingir uma tonelada de carne por km²/ano.

Mas é preciso superar duas limitações: a primeira é a falta de investimento público e privado no conhecimento técnico e científico. Manejo, captura e abate requerem a formação de uma cadeia capacitada, tanto para evitar impactos indesejados quanto para ter um produto seguro e de qualidade. E até mesmo para desenvolver o gosto do consumidor. A segunda é a má vontade crônica da burocracia governamental, pela qual a hipocrisia da proibição é sempre o caminho mais fácil. Vamos superar o impasse? Minhas panelas estão prontas para receber todo tipo de invasor.

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