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Comida

Quitutes de Pedro e Lobato esquentam Paraty durante a Flip

Por Marcia Camargos*

Quitutes de Pedro e Lobato esquentam Paraty durante a FlipFoto:

Bolinho de chuva, biscoito de polvilho, sequilhos, curau, canjica e paçoca não faltavam na mesa de Monteiro Lobato. Natural de Taubaté, ele adorava os quitutes da roça, com cara e sabor bem brasileiros. Por isso não dispensava feijão com farinha, carne moída com quiabo, picadinho de carne, chuchu e abobrinha. De sobremesa, goiabada cascão, sagu com vinho tinto, doce de leite talhado, banana da terra frita e bolo de fubá. Sem falar na rapadura que picava em pedacinhos, enfiava no bolso e ia comendo ao longo do dia. Também era fanático por içá, a formiga servida como tira-gosto. Caçadas no alto verão, período de acasalamento, quando saem em revoada, as saúvas ficam deliciosas, dizem, torradas com sal. Para o criador do Sítio do Picapau Amarelo, içá era o caviar do Vale do Paraíba, que ele degustava sem pressa, enquanto escrevia.

Estas informações, colhidas para o livro À mesa com Monteiro Lobato, vão fornecer os elementos para o prato ligado à vida e obra do escritor, a ser apresentando, entre muitos outros, no evento Cozinhando com Palavras (veja a programação abaixo), que pretende estabelecer um diálogo entre literatura e gastronomia. Pela primeira vez na Flip, vem enfrentar o desafio, de acordo com o seu idealizador, o chef André Boccato, de não se restringir apenas às receitas culinárias, área em que já tem gente de sobra atuando. “A ideia é abordar a gastronomia por um viés cultural, na linha do comemos o que somos, e somos o que comemos”, explica.

O projeto surgiu na Feira Paris Cookbook, quando Édouard Cointreau, fundador e presidente do Gourmand World Cookbook Awards, escreveu no prefacio do livro do prêmio que aquilo era um verdadeiro “cozinhar com as palavras”. Nele Boccato inspirou-se para criar o evento, a pedido da CBL, destinado ao Espaço Gourmet da Bienal do Livro de 2010. O curador propõe uma reflexão sobre o ato de se alimentar, o que isso significa em termos de identidade de um povo. “Estou menos preocupado com a técnica em si, e mais com a integração cultural”, diz ele, para acrescentar que os encontros, animados por música, funcionam numa dinâmica parecida com programa de auditório e sarau literário.

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Após marcar presença nas duas últimas edições da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, onde estará também este ano, entre 22 a 31 de agosto, e uma Feira de Frankfurt em 2013, o Cozinhando com palavras ocupará uma casa do século 17, onde será instalada a cozinha, uma livraria e duas exposições. Design à Mesa: um relato sociocultural da comensalidade procura recuperar os rituais da alimentação e os variados elementos presentes nas relações que os homens estabelecem com a mesa, entendida não apenas como um mero artefato material, mas, sobretudo, como espaço de sociabilidade. A maneira como a mesa é posta, explicam seus curadores, extrapola a questão puramente estética. Para ilustrar a diversidade desta cerimônia que se repete desde tempos imemoriais, dez mesas trazem os costumes de diferentes nações, resgatando hábitos culturais milenares que sobrevivem até os dias de hoje.

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Os Banquetes do Imperador expõe receitas de época e fotos das louças da família real, ao lado do carro chefe – a seleção dos mais emblemáticos dentre os 1.050 menus de eventos gastronômicos dos quais o imperador ou membros da realeza brasileira participaram. Uma significativa amostra destes cardápios foi pesquisada e comentada para a produção do livro homônimo, uma coedição da Editora Senac São Paulo e a Editora Boccato.

Coautor, junto com André Boccato, do sofisticado volume reunindo os menus ligados ao Imperador Pedro II, Francisco Lellis conta que vai preparar receitas a partir dos dois primeiros livros de culinária jamais publicados em terras brasilis, o Cozinheiro Imperial, de 1839, e o Cozinheiro Nacional, de 1882. Segundo ele, a comitiva imperial introduziu o serviço à francesa no país, embora já arriscasse algumas inovações, adicionando ingredientes tipicamente nacionais mesmo nas criações mais requintadas.

Subscrevendo a tese de que a refeição contempla, ainda, a necessidade de saciar a fome do espírito, Lellis explica que os cardápios são ricamente decorados porque têm o a função não apenas de abrir o apetite, mas capturar o olhar e mexer com o imaginário dos comensais. “Portanto, para o historiador”, completa, “longe de simples lista de pratos, eles constituem documentos que carregam múltiplos significados, fornecendo inúmeras informações sobre os costumes e a mentalidade de toda uma época”.

O vatapá de porco, servido em telhas de tapioca e decorado com pimenta biquinho, terá como convido de honra uma legítima personalidade de sangue azul. Nada menos do que o Príncipe Dom João de Orleans estará presente no dia 30, às 5 horas da tarde, para provar a proposta do chef Francisco Lellis.

Mais singelo, porém não menos representativo, será o bolinho caipira, típico de Taubaté e do Vale do Paraíba, escolhido para “conversar” com a obra de Lobato. “Este salgado fez parte da infância na nossa região e continua sendo preservado como um quitute imprescindível nas festas juninas e nos arraiais locais”, esclarece Claudia Maria de Moraes Santos, coordenadora do Centro Universitário Senac de Campos do Jordão.

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Sua receita leva farinha de milho escaldada por caldo de carne, e recheio de carne moída refogada bem temperada com ervas frescas. “Há algumas variações em que se misturam carne suína e bovina, e outra de Jacareí, onde ele é feito com farinha de milho branca e recheado com peixe, revela, para concluir. “O bolinho dialoga com a obra do autor porque integra a deliciosa lista de quitutes de Tia Nastácia, a cozinheira querida que produzia estas delícias nas tardes, para o deleite da criançada”.

*Biógrafa de Monteiro Lobato, Marcia Camargos é escritora com pós-doutorado em história pela USP e tem 24 livros publicados.

FOTO: Marcos de Paula/Estadão

PROGRAMAÇÃO 

QUARTA, 30/7

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17HOs Banquetes do imperador: menus colecionados por Dom Pedro II – receitas e historiografia da gastronomia no Brasil do século XIX Autores: Francisco Lellis e André Boccato Convidado: Príncipe Dom João de Orleans e Bragança

QUINTA, 31/7

10H30Histórias e bebidas Livro: Copos de bar & mesa: história – serviço – vinhos – coquetéis Autores: Edmundo Furtado Convidado: Jurandyr Paixão

15hO açúcar na formação cultural brasileira Livro: Vocabulário do açúcar: histórias, cultura e gastronomia da cana sacarina no Brasil Autores: Raul Lody Convidada: Zenir Aparecida Dalla Costa de Melo Ferreira

18hGastronomia no Brasil e no mundo e Interpretações do gosto Autoras: Guta Chaves e Dolores Freixa Convidada: Mônica Rangel

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SEXTA, 1/8

10H30Raízes culturais na gastronomia brasileira Livros: Gastronomia no Brasil e no mundo e Interpretações do gosto Autoras: Guta Chaves e Dolores Freixa Convidada: Mônica Rangel

15HO cozinheiro imperial e o cozinheiro nacional Livros: Os Banquetes do imperador: menus colecionados por Dom Pedro II – receitas e historiografia da gastronomia no Brasil do século XIX Autores: Francisco Lellis e André Boccato

18HMandioca: a rainha do Brasil Livros: Farinha de mandioca: o sabor brasileiro e as receitas da Bahia Autor: Raul Lody Convidada: Zenir Aparecida Dalla Costa de Melo Ferreira

20HMúsica brasileira para comer Livro: Mistura Morena Autora: Morena Leite Convidada: Gisele Tigre

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SÁBADO, 2/8

10H30À mesa com Monteiro Lobato Autora: Marcia Camargos Convidada: Claudia Maria de Moraes Santos

15HConfeitaria Colombo Livros: Misturando Sabores e Dicionário do doceiro brasileiro Autor: Renato Freire Convidado: Raul Lody

18HUm tripé culinário no Brasil colonial Livro: Farinha, feijão e carne-seca Convidados: João Luiz Máximo e Francisco Lellis

20HInterpretações do Gosto Autora: Mônica Rangel

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DOMINGO, 3/8

10H30Oficina: Reaproveitamento integral de alimentos Convidada: Claudia Maria de Moraes Santos

SERVIÇO – Cozinhando com Palavras Casa Literária e Gastronômica Senac/CBL na Flip Onde: Rua da Praia, 31 e 33 – Centro Histórico – Paraty Quando: 30/7 a 3/8

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 31/7/2014

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