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Terreno vazio? Horta nele!

A ocupação de espaços por hortas ou jardins de plantas úteis é tendência no mundo todo

Cultivar e cozinhar são atividades inseparáveis do ser humano moderno, sem as quais voltaríamos ao paleolítico dos comedores de caça e bagas de frutos. O problema é que nos acostumamos recentemente a delegar a tal ponto essas tarefas que perdemos a intimidade com elas. Menos com o cozinhar, mais com o plantar.

Na edição passada do Paladar – Cozinha do Brasil, entre aulas com chefs e especialistas uma atividade externa se destacou pelo ineditismo, apesar do pertencimento primordial ao cenário gastronômico. Foi a visita à horta comunitária da Praça das Corujas, na Vila Madalena. Os interessados saíram do conforto do hotel Hyatt e foram levados para ver uma experiência de sucesso encravada num bairro residencial de São Paulo. Até nascentes o grupo conseguiu recuperar. Que a maior parte dos alimentos que comemos sai da terra todo mundo sabe, mas pouca gente tem a chance do contato próximo com esse substrato profícuo e essencial. E entre nós já há quem não consiga meter as mãos na terra com tranquilidade. Ai, os micróbios…

 

Exemplo. A Horta da Praça das Corujas, é um dos exemplos mais bem-sucedidos de horta coletiva em São Paulo e inspira outros canteiros pela cidade, como o que estou começando no meu bairro. FOTOS: Neide Rigo/Estadão

A ocupação de espaços públicos ou coletivos por hortas ou jardins de plantas úteis tem sido tendência no mundo todo por várias razões, entre elas para se falar de recursos naturais como a água, das sementes crioulas, dos orgânicos, da produção de alimentos locais e de cultura gastronômica. Ou simplesmente como uma forma de reação gentil a um mundo de metrópoles com hostilidades de todos os tipos.

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Para além de se cultivar algum alimento, ainda que de forma lúdica ou didática, as hortas têm sido uma verdadeira lição de cidadania, de convivência entre vizinhos que mal se conheciam e de aproximação com pedestres incógnitos, deixando a cidade mais segura e agradável. Parece que quando estamos com as mãos ou cabeças ocupadas com terra e plantas nos despimos e o mundo a nossa volta se modifica, se despe também. Chegam palpites, receitas e conversas à toa. Sem nenhum desmerecimento aos profissionais da cabeça, não há participante que não repita que mexer na terra é como terapia. Pode ser parte dela, por que não?

No Paladar, alguns chefs saíram do evento animados com o tema e com o desejo de cuidar de uma horta coletiva próxima ao restaurante. Não sei se levaram a ideia adiante. Pelo menos eu me empolguei bastante e, junto com vizinhos, tenho arregaçado as mangas para pôr em prática uma horta comunitária. E participo de outra que está começando na Faculdade de Saúde Pública da USP, onde me formei em nutrição anos atrás, antes um lugar sisudo de jardim intocável. Recentemente o coletivo Hortelões Urbanos, que agrupa ativistas e simpatizantes num grupo do Facebook, vem agitando a cidade e incitando cidadãos a ocupar com hortas espaços públicos negligenciados.

Claro, a recepção de alguns moradores nem sempre é feita de delicadezas, como um que traz um suco gelado, ou outro que faz um bolo, alguém que cede a água ou puxa uma cadeira para ficar perto e dar apoio moral. Há gente que já entra gorando. Cheguei a ouvir absurdos do tipo: “Chi, não vai dar certo. Logo a baianada descobre e não vai sobrar nada”. Ou fala dos possíveis bichos que passarão: “Não dá pra plantar nada de comer aqui porque passam ratos, gatos de rua, cachorros, pombos e gente suja”.

 

Grafite e legumes. Se a horta é urbana, ela pode ter de pé de abobrinha (acima) a safra de grafite (abaixo)

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E aí temos que lembrar que baiano adora plantar. Tom Zé que o diga, afinal o compositor de Irará, Bahia, cuidou do jardim de seu prédio durante anos. Baiano, paulista, cearense, goiano, paranaense, tanto faz, é gente que gosta de cultivar, sente saudade de sua terra e quer deixar seu espaço mais cheio de graça. Aliás, desconfio que esse movimento de hortelões urbanos começou quieto, sem que ninguém percebesse, com os guardas de rua das grandes cidades, geralmente migrante, na tentativa de trazer um pouco da sua roça para onde está. No meu bairro você vai andando e logo se depara com uma guarita rodeada pelo resumo da fazenda: cana, mandioca, coentro, pimenta, feijão-de-corda, erva-cidreira, maracujá e até pé de milho.

 

E lembrar também que o que compramos no supermercado não é mais limpo que o que cultivamos nas hortas coletivas. A alface embalada em saco plástico não foi cultivada em ambiente estéril e ainda deve ter recebido banhos de pesticidas até chegar a nossa mesa. Teme-se a contaminação biológica dos espaços públicos, mas se esquece da contaminação química da agricultura de grande escala, cujos efeitos adversos são mais violentos e virão a longo prazo. Então, não nos contaminemos com a indisposição e pessimismo, e mãos na terra!

EM 5 TEMPOS

1. Entre em contato com outros que pensam como você. Dê uma olhada no grupo Hortelões Urbanos, no Facebook. Não comece esse projeto só!

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2. Avalie as condições e luminosidade do local e escolha espécies adaptadas a elas.

3. Se não tiver como regar constantemente, plante ora-pro-nóbis, bertalha- coração e ervas aromáticas como manjericão, alecrim e tomilho.

4. Prefira plantas arbustivas ou mais altas em vez das rasteiras se não tiver como cercar o espaço. Exemplos: pimentas de árvore, taiobas, louro, folhas de curry, alecrim. Em local sombreado, plante taioba e hortelã.

5. Se puder fazer uma composteira no local, ótimo. Do contrário, incentive os participantes a manter um minhocário em casa e doar o húmus para a horta.

Envolva os vizinhos: a rega será facilitada para o caso de não haver torneiras.

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>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 3/4/2014

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