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Restaurantes e Bares

Belarmino Iglesias transformou o Rubaiyat em um marco de São Paulo

Leia o relato de Belarmino Iglesias Filho sobre a trajetória do pai

Belarmino Filho e Belarmino Iglesias. Foto: Rubaiyat|DivulgaçãoFoto: Rubaiyat|Divulgação

Nesta semana, São Paulo perdeu um ícone da gastronomia. Belarmino Fernández Iglesias, do Grupo Rubaiyat, morreu aos 85 vítima de insuficiência de múltiplos órgãos. Belarmino teve sua vida marcada pela excelência no salão, uma de suas máximas, e sabia corrigir erros da brigada apenas com o olhar. 

Leia aqui o depoimento de Belarmino Iglesias Filho sobre a trajetória do pai.

Belarmino Filho e Belarmino Iglesias Foto: Rubaiyat|Divulgação

Da Galícia para São Paulo. Em 1951, no auge da ditadura franquista, meu pai foi designado para servir no Norte da África, mas não queria ir para lá. Era de uma família muito pobre, meus avós arrendavam um pedaço de terra, era economia de subsistência numa Galícia rural profunda. Não tinha outra opção senão emigrar. E havia um programa naquele momento. Tentou ir para Cuba, Venezuela, Argentina e nada. O único país que abriu possibilidade de imigração foi o Brasil e, naquele momento, tinha em São Paulo o primo da mãe, que veio em 1914, fugido da guerra, o Manoel Mazorra, Manolo.

Chegou aqui duro, sem nada de dinheiro e foi acolhido pelo Manolo. Ficou em sua casa por três dias e seguiu para uma pensão para começar a vida. Seu primeiro trabalho foi como pedreiro – ele gostava de contar que São Paulo só tinha um prédio na época, o Martinelli. As construções estavam em uma efervescência tremenda, ele foi carregador, fazia massa. Trabalhou por oito meses, mas achou que era muito difícil, queria trabalhar em um lugar onde tivesse comida.

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Conseguiu emprego em um bar, aberto até hoje, no largo do Paissandu, o Alceu Bar. O dono, um português, mandou ele cuidar do lixo. Nem como pia ele entrou. Foi pegar o lixo, e o lugar tinha dois dedos de gordura. Passou dias limpando, deixou quase brilhando. O português falou que ele era bom demais para ficar ali e, na semana seguinte, o colocou para lavar pratos. Em um mês já estava atendendo os clientes. O primeiro sanduíche que serviu foi um cachorro-quente. Aí ele começou gastronomicamente, e fez do pão um suporte para salsicha, encaixou ao contrário. Ele não tinha noção nenhuma, não entendia nada. Foi assim o ‘debut’ do meu pai. 

Curiosamente, esses clientes do cachorro-quente estavam abrindo um restaurante: eram os pais do Massimo (Ferrari), a dona Maria e o seu Venâncio. O Massimo tinha sete anos, era gordinho, usava suspensório. Ele tinha uma admiração tremenda pelo meu pai.  Ele saiu do La Cabaña (restaurante da família Ferrari) e foi trabalhar com o Heron, que vendia tecidos. Meu pai era ótimo vendedor e, em seis meses, virou gerente-geral e homem de confiança. 

Recebeu a missão de ficar de costas para a rua, olhando para quem entrava e não comprava nada. Tinha que descobrir o porquê. Ele aprendeu que era muito caro por um cliente dentro de uma loja. E isso marcou seu trabalho para sempre. Por isso somos uma empresa voltada para o consumidor. Isso tudo ele aprendeu em uma era pré-marketing, em 1956. 

Acontece que ele complementava a renda num restaurante de noite, o Guaciara, um clássico da cidade, na avenida Rio Branco. Entrou como garçom, virou maître e depois gerente da noite. Ficou por três anos, até que uma noite o Heron, que não sabia que ele tinha esse trabalho noturno, apareceu lá e falou “ou você trabalha para mim ou muda de profissão”. Com a renda do Guaciara, ele comprou carro, passou a se vestir bem, e conseguiu voltar à Espanha, levando dinheiro para os meus avós, algo que para ele era condição determinante para voltar à Galícia. Meu pai pensou “não estou bebendo nem jogando, estou trabalhando; e vou trabalhar nisso porque é o que eu realmente gosto. Neste dia, ele deixou o Heron e, meses depois, os sócios da Guaciara brigaram e fundaram o Rubaiyat. Meu pai entrou com 10%.

Meu pai namorava a filha do Manolo (acabou casando com ela, que é a minha mãe) e o Manolo entrou como investidor, com 50%. Os persas (ex-sócios do Guaciara) ficam com 40%. 

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O nome Rubaiyat é persa, e a primeira casa ficava na Vieira de Carvalho 134, aberta em 1957. Era pequenininha, cheia de arabescos por causa dos sócios persas. Meu pai trabalhou e, em cinco anos, 1962, comprou a parte do sogro, a dos cunhados e a dos persas. E ficou sozinho depois de cinco anos de muita luta e trabalho. 

Começou então uma trajetória de qualidade, de excelência de serviço. Em 1967, fez uma grande reforma, tirou os arabescos. O próximo passo foi buscar a melhoria das carnes. 

Em 1964, comprou a primeira fazenda e começou a criar, charolês cruzado com nelore – e em 1961 foi fundada a associação brasileira de novilho precoce. Em 1972, o Rubaiyat fez o primeiro confinamento de gado industrial e um cruzamento. Estamos falando de quase 50 anos atrás; é como falar de internet há 25 anos. Papai era um visionário e um apaixonado pela terra. 

O espanhol chegou ao Brasil com 20 anos, trabalhou como garçom e maître antes de construir seu império de churrascarias Foto: Rodrigo Cubel|Escritório de Imprensa

Isso tudo porque nos anos 1960 ele foi para a Argentina entender porque a carne lá é boa e no Brasil, não. Os argentinos iam no Rubaiyat e diziam “langostinos sí, carne no”. Ele fez estágio em Buenos Aires, aprendeu como fazer a grelha em V, o sistema de maturação, e trouxe tudo isso para cá. Pôs até bois dentro do Rubaiyat. O resto é a história que todo mundo conhece.

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Ele foi um cara dedicado a servir as pessoas, teve uma vida dedicada à família paulistana. Eu me orgulho tremendamente de ser filho dele. Foi um exemplo de trabalho: eu via meu pai no restaurante, nunca o vi em casa às 17h, sempre saiu cedo e chegou tarde em casa. Fez dívida para que os filhos pudessem estudar, trouxe os irmãos da Galícia, melhorou as condições da família dele. Fez obras sociais, coisa que pouca gente sabe, sem falar nada. Na terra dele, criou uma fundação com o governo galego que é a segunda escola em número de alunos. Deixou um legado, foi um grande exemplo. Não falou, fez. 

A gente vendeu 70% da companhia há seis anos, quando ele teve o AVC (acidente vascular cerebral) e neste ano recompramos tudo. O Rubaiyat voltou a ser só dos Iglesias. 

Hoje minha mulher Ana é meu braço direito. Meu filho Diego assumiu a parte financeira. O Vitor, que acaba de se formar, entra nas operações comigo. Estou fazendo com eles o que meu pai fez comigo. 

Ontem, no dia em que morreu, foi meu aniversário. Alguns entendem como uma fatalidade. Acho que meu pai se libertou de uma fase ruim. Terminou um ciclo e vai começar outro. Eu tenho o nome dele, é muito simbolismo. Era um homem tão especial que, na partida, me deu um presente.

Belarmino Fernández Iglesias (1931 - 2017) Foto: Mauricio Barbieri|Estadão

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Depoimentos

“Estou desolado. Ele era um homem incrível, um homem de negócios que sempre priorizou o romance e a qualidade”Francis Mallmann, chef que ajudou a implantar o Figueira

"Foi um dos pilares da gastronomia paulistana. O Rubaiyat fez parte da história de todos nós"Rogério Fasano, restaurante do Grupo Fasano

"Um líder nato, um profissional completo, sempre preocupado com seus clientes. A profissão deve muito a ele"Massimo Ferrari, proprietário do Felice e Maria

"Quando nem se falava em empreendedorismo, ensinava a importância de ousar e de ser profissional ao extremo"Marie Henry France, restauranter do La Casserole

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