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Restaurantes e Bares

Na volta do Ca'd'Oro, é melhor ficar com o que se tem na memória

Restaurante referência da alta gastronomia nos anos 70 reabre as portas no mesmo endereço e com mesmos clássicos no cardápio, mas deixa os saudosistas decepcionados

O bollito já servido no prato. Foto: Sergio Castro|Estadão Foto: Sergio Castro|Estadão

Um pirulão chama a atenção nos baixos da Rua Augusta. É o velho hotel e restaurante Ca’d’Oro, agora reinaugurado, novíssimo, alto e imponente. Ele se parece com dezenas de lançamentos imobiliários recentes de São Paulo: tem a fachada cheia de vidros espelhados e avarandados curvos empilhados numa construção de proporções pouco elegantes que reúne residências e escritórios. São duas torres que se sentiriam à vontade na Berrini, em Miami ou Dubai.

O bollito já servido no prato. Foto: Sergio Castro|Estadão

Você passa as palmeirinhas tristes que dão para a rua, avança por uma acanhada porta automática e chega ao restaurante. Os tapetes, madeirame e a classe da casa original não estão mais lá. Deram lugar ao vidro espelhado da fachada enquadrado por caixilhos de alumínio branco, que corta o salão. Do antigo restaurante, sobrou o carrinho de comida, o gueridom, e a intenção – não realizada – de fazer alta gastronomia. Se o Ca’d’Oro um dia foi referência em São Paulo ao apresentar à cidade a cucina mais refinada do norte da Itália, nesta sua nova encarnação é uma mímica triste do passado.

Vamos ao ponto: embora se gaste menos ali do que em casas como Fasano, não custa pouco comer no Ca’d’Oro – e a experiência que você recebe em troca não compensa. Bem que a brigada do salão se esforça em acolher com fidalguia e simpatia. Mas a cozinha não colabora.

Do começo: aos pães do couvert faltam casca e aroma. Prestam-se a receber a manteiga – e só. Aí vêm os antepastos. Você se anima com a bresaola artesanal, mas as fatias finas de carne curada são insípidas. Pede então os aspargos – não podem dar erro com ovo frito de gema mole, mas lá está a manteiga com aroma trufado para empanar o brilho do prato. 

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As massas frescas, “tradição da casa desde 1953”, se apresentam em socorro. Até vão bem na proporção os recheados casoncelli, agnolotti e ravióli, mas chegam à mesa mornos, ressequidos – assim como o espaguete à carbonara. Argumentei com minha arretada companheira de mesa que o carbonara vinha direto dos anos 1950: os ovos, em vez de emulsionados em molho viscoso, estavam cozidos; o macarrão, bem para lá do al dente. “Não. Ele não vem do passado. Esse carbonara não existe”, retrucou ela. 

O trio de massas bergamasca Foto: Sergio castro|Estadão

O bollito misto, superclássico do Ca’d’Oro, um cozido de várias carnes e verduras servidos à minuta, fica melhor mesmo na memória. Na vida real, hoje, é um amontoado de peças sensaboronas. Clientes saudosistas da mesa ao lado revoltaram-se: o prato não honrara o glorioso passado. Já o pato à colleoni salva-se pela crosta crocante; basta não misturá-lo demais ao purê pálido nem ao molho empelotado (igual ao da codorna com polenta). 

Você então já rumina o retrogosto de uma refeição falha, desesperançoso com o fim. Mas as sobremesas surpreendem e você acha uma alegria no mil-folhas, na cassata e na crostata de maçã (só não no tiramisù afogado em creme...). 

CONTEXTO

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O Ca’d’Oro reabriu há um mês. O restaurante foi inaugurado em 1953, na Barão de Itapetininga. Em 1956, foi para a Basílio da Gama, quando virou também hotel. Em 1965, então, mudou-se para a R. Augusta, 129, onde virou referência de alta gastronomia e serviço cinco estrelas. Fechou em 2009 e, agora, volta no mesmo endereço, mas em um novo prédio, parceria da construtora Brookfield com herdeiros da família Guzzoni.

A cassata. Um passeio nostálgico que vale a pena: sorvete crocante, frutas cristalizadas e calda de chocolate Foto: Sergio Castro|Estadão

O MELHOR E O PIOR

PROVE

A pera à Belle Helene. Granulosa na primeira dentada, desmancha depois e deixa um leve gosto de especiarias na boca. A cassata. Um passeio nostálgico que vale a pena: sorvete crocante, frutas cristalizadas e calda de chocolate.

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EVITE

O carbonara. Já descrevi no texto, mas não custa relembrar como é errado este prato. A codorna com polenta. Onde você espera carne escura e saborosa, vêm nacos insossos e regados por um molho indistinguível. O bacalhau à livornese. 

Servido às sextas, é uma posta alta e firme, mas arruinada pelo molho um tanto grosseiro feito de cebola e tomate. 

Garçons ainda usam o gueridom, carrinho de comida Foto: Sergio Castro|Estadão

Estilo de cozinha: italiano, com receitas do norte.Bom para: almoços ou jantares nostálgicos, mais formais e com previsão orçamentária folgada.Acústica: o ambiente está mais para silencioso. Embora mesas possam ficar perto umas das outras, o volume geral do salão, tanto na varanda como dentro, é controlado.Vinho: há uma boa oferta de italianos, divididos por regiões. Mas os preços não são convidativos, mesmo para chilenos, argentinos  e brasileiros, em menor número na carta. Com uma ou duas exceções, tudo é de três dígitos. Taxa de rolha: R$ 75. Cerveja: poucas opções, apenas convencionais – Stella, Heineken, Brahma e Xingu a R$ 12 cada garrafinha long neck.Água e café: o couvert é cortesia (só no almoço; no jantar é R$ 19), mas a água, não. Ela custa nada módicos R$ 7, por 300 ml. O café é Nespresso e custa R$ 6,50.Preços: entradas (R$ 38 a R$ 49); pratos principais (R$ 64 a R$ 95); sobremesas (R$ 23 a R$ 30). Vou voltar? Acho que não tão cedo. 

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SERVIÇO

Ca'D'Oro Rua Augusta, 129, Consolação Tel.: 3236-4300. Horário de funcionamento: 12h/15h e 19h/23h (sex. e sáb., 12h/15h e 19h/23h30; dom., 12h/16h30 e 19h/23h). Serviço de valet do hotel: R$ 25.  Não tem bicicletário. 

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