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Restaurantes e Bares

O D.O.M. que se vê

Por Cíntia Bertolino


Valéria Silveira é hostess do D.O.M. há 2 anos. FOTO: Felipe Rau/EstadãoFoto:
Valéria Silveira é hostess do D.O.M. há 2 anos. FOTO: Felipe Rau/Estadão 

Quando a imponente porta do D.O.M. se abre, quem chega para jantar se depara com Valéria Silveira. Há dois anos, é ela quem recebe os comensais. Ainda que a situação por vezes fique tensa e exija certa diplomacia para lidar com quem chega sem reserva e quer, porque quer, jantar ali, ela mantém o sorriso. E muitos chegam como se fosse caso de vida ou morte.

Nessas horas, Valéria diz que conta com a ajuda “do universo e dos anjos” – auxílio necessário para lidar com a torrente de ligações em busca de reservas no 6º. melhor restaurante do mundo e que a mantém entretida das 17h às 24h. Não importa qual seja a celeuma, uma hostess não pode se desesperar, ensina. Ela sabe que para apaziguar os nervos e animar os espíritos de quem tem uma boa espera pela frente, sempre há o bar. Ele é pequeno, são apenas sete banquetas, mas do lado de lá do balcão fica Jean Ponce.

O barman Jean Ponce se orgulha de evangelizar a cachaça no restaurante. FOTO: Felipe Rau/Estadão 

Já se foi o tempo em que Jean passava parte do expediente a cortar limões, eram mais de mil por noite no Porto Alcobaça, e a misturar bebidas no extinto Urbano, onde começou a carreira. Ao assumir o bar do D.O.M., sua missão era clara: acabar com a má vontade que cercava a cachaça. As solitárias duas garrafas de aguardente, contadas em sua chegada há três anos, ganharam a companhia de outros 12 rótulos. O barman se orgulha de ser um evangelizador da cachaça: gosta de ver a cara de surpresa de quem antes só tomava uísque ou drinques com vodca depois do primeiro gole de uma branquinha perfumada.

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Ele chega ao trabalho às 10h, prepara purês para os drinques, corta as frutas. A seu lado, trabalham Vitor Chien e José de Sousa Costa, o Jack. Às 13h, vai para o Dalva e Dito. Volta ao D.O.M. às 18h e fica até às 24h. Adora bitters. E faz um dos melhores negronis da cidade. Aprendeu a gostar da branquinha, ainda menino, com o bisavô, um apaixonado pela bebida. Fala com desenvoltura das características das cachaças envelhecidas nos mais diversos tipos de madeira. Não por acaso, a caipirinha, feita com um limão tahiti inteiro, cortado em finas rodelas, cuidadosamente disposto no copo com uma grande esfera de gelo, se tornou o drinque mais pedido do bar. Alguns clientes só se acomodam à mesa depois de uma caipirinha.

Os pouquíssimos passos que levam do bar à mesa são acompanhados de perto pelos maîtres. Robson Marcos Cavalcanti da Silva percorre o salão há 8 anos. André Madureira Novaes está na casa há 3 anos. André chega ao restaurante às 11:30h. Com olhos críticos repassa o salão. Cuida para que taças, talheres e louças não tenham uma manchinha sequer. Observa a simetria e o alinhamento das mesas. Controla o livro de reservas, afina a luz e a música.

André Madureira Novaes (esq) e Robson Marcos Cavalcanti da Silva são maîtres do D.O.M. há 3 e 8 anos, respectivamente. FOTO: Felipe Rau/Estadão 

As atribuições vão além do zelo pela impecabilidade do salão. No D.O.M., apenas os maîtres tiram os pedidos. Robson chega às 15h, horário em que acaba o almoço. Às 16h, o salão vazio é tomado por uma calma silenciosa. Recomeça a arrumação.

O salão tem 40 lugares. O mezanino acomoda 14 pessoas. Seis garçons e mais seis cumins atendem a todos. Uma mesa com dez pessoas e um menu de oito pratos terá mais de 110 trocas de talheres, pratos e taças. Tudo é observado de perto pelos maîtres.

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Maîtres, garçons e sommeliers passam pelo salão como numa valsa bem-compassada. Escolhido o menu (no jantar o restaurante serve apenas as opções de menu degustação com quatro ou oito tempos), Gabriela Monteleone e João Adriano Pichetti se encarregam do serviço de vinho.

A ideia de parear vinhos com o aroma avassalador de priprioca, com o ocasional cítrico de formigas amazônicas talvez fosse mais que suficiente para afugentar um sommelier. Não Gabriela. No D.O.M. há dois anos, ela trabalha para harmonizar comida e bebida. Ao contrário do que se imaginaria não foi uma tarefa complicada: “Ingredientes brasileiros são amigos do vinho, não há elementos muitos difíceis, como o picante”, diz.

Sommeliers harmonizam vinhos com os pedidos dos clientes. FOTO: Felipe Rau/Estadão 

O mote da carta, com 250 rótulos, é privilegiar produções limitadas, vinhos naturais e orgânicos. Contempla vinhos brasileiros, mas estes não são suficientes para harmonizar todos os pratos do menu degustação, segundo Gabriela. Alguns pratos pedem vinhos específicos, diz. Ela cita a ostra empanada que combina com vinhos de caráter oxidativo, como Jerez ou Arbois.

“Uma vez um cliente me pediu uma pedrinha de gelo para o vinho. Prezamos muito a técnica, a temperatura adequada do vinho, mas não podemos privar o cliente do que ele quer”, diz. “Se o cliente quiser tomar um grande tinto gelado, ele vai tomar. Afinal, ele veio até aqui para se divertir”.

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Da pequena cozinha envidraçada vê-se todo o salão. Na linha de frente, próximo à porta, o chef Geovane Carneiro mantêm-se à postos. Ele comanda o show. Ao lado direito de sua bancada, fica o primeiro de muitos bibelôs que agora tomam conta da mureta da cozinha: uma imagem de Santa Marta, padroeira dos cozinheiros. Geovane é conhecido pela tranquilidade. Mantêm a fluidez do serviço e a precisão da cozinha na ausência do chef. É admirado pelos colegas, descrito como um profissional dedicado e perfeccionista. Em uma noite com casa cheia, a cozinha do D.O.M., onde trabalham 15 pessoas, chega a preparar 650 pratos. “Há dias que não sei como nem de onde saíram tantos pratos”, diz.

Subchefe Geovane Carneiro já é famoso na elaboração dos pratos. FOTO: Felipe Rau/Estadão 

Geovane é baiano e começou trabalhando em bares. Não gostava da ideia de cozinhar. Quando faltava alguém e tinha de ir para a cozinha ficava encabulado. Aplicado, começou a carreira como pia, o posto mais baixo na hierarquia de um restaurante.

Depois de tanto tempo trabalhando com Atala, já se vão 15 anos (13 como subchefe), a simbiose é evidente. Quando ambos estão na cozinha, um olhar é suficiente para desencadear uma ação ou reação. O tímido Geovane já não se intimida em cozinhar em um dos melhores restaurantes do mundo. “Perdia um pouco o sono”, diz. “Mas é bom. O Brasil só era conhecido como País do futebol. Agora é também o País da gastronomia”.

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