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Restaurantes e Bares

Quando menos é mais

Vão-se o linho e a prataria e ficam a simplicidade e a boa mesa! Essas poderiam ser as palavras de ordem da rebelião gastronômica que se espalha por SP: cada vez mais restaurantes cortam excessos para manter preços

Quando menos é maisFoto:

Por Patrícia Ferraz e José Orenstein

Uma nova tendência gastronômica ganha força em São Paulo. É a dos restaurantes que declararam guerra à toalha de mesa – e a toda sofisticação que nela se encerra: a louça elegante, as taças de cristal, os talheres de prata. Isso está longe de ser uma decisão meramente estética. Ao contrário, é a base da filosofia e o símbolo do movimento. Os sem-toalha eliminaram o supérfluo, simplificaram o serviço, reduziram os gastos com a operação. Em outras palavras, cortaram custos.

São lugares pequenos, instalados fora do circuito gastronômico nobre (onde os aluguéis são caros), com decoração despojada e, apertadinhos, mantêm apenas dois ou três palmos de distância entre as mesas. Têm poucos garçons para dar conta do serviço, sugerir bebidas e vinhos – cada garçom atende, em média, de 15 a 20 clientes. Não há maître ou sommelier.

O chef é sócio da casa e comanda a cozinha com um olho nas panelas, outro no movimento dos clientes – é bem difícil vê-lo à toa, circulando pelo salão. Seu cardápio é enxuto e levemente autoral, composto de pratos que fogem do óbvio, feitos à base de ingredientes simples. O chef responde por todas as etapas do cardápio, da seleção de ingredientes à conferência, na boqueta, antes de mandar o pedido para a mesa. Geralmente é profissional de boa formação e com passagem por vários restaurantes.

O Ella é um dos restaurantes-símbolo da geração sem-toalha pela relação entre a excelência da comida e os bons preços. FOTO: Felipe Rau/Estadão

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Cada um a seu estilo, os sem-toalha conseguem aliar comida de qualidade a bons preços. Atualmente, isso quer dizer que um cliente gasta, em média, de R$ 60 a R$ 90 com entrada, prato e sobremesa, às vezes incluindo até uma taça de vinho. Os preços dos pratos variam de R$ 23 a R$ 70.

Pelo menos dez casas do gênero abriram as portas nos últimos dois anos – sem contar aqueles que declararam guerra à toalha depois de anos de funcionamento, caso do Arturito, de Paola Carosella, que no ano passado deu uma guinada rumo à simplificação de cardápio, serviço e, na nova fase, baixou preços e trouxe os clientes de volta.

A tendência começou a ganhar musculatura em 2012, com a abertura de casas como o Jiquitaia, na rua Antônio Carlos, no bairro da Consolação, ou o Almodovar, em Pinheiros. E, com a animação do público, as fileiras do movimento foram engrossadas significativamente ao longo de 2013 e início de 2014: quem gosta de comer fora e anda revoltado com os preços de restaurantes viu surgirem opções interessantes como Ella, Museo Veronica, Micaela, TonTon, Alma, MoDi.

“O negócio é dar mais atenção à cozinha e menos à perfumaria”, justifica o chef Gustavo Rozzino, do Tonton, inaugurado no fim do ano passado. Gustavo, assim como alguns outros restaurateurs e chefs à frente dessas novas casas, admite ter se inspirado no modelo europeu: restaurantes menores, com cardápio e equipe enxutas, mas nem por isso servindo comida simplória – pelo contrário, a ideia é usar os melhores produtos e abusar da técnica para tirar o melhor de ingredientes tidos como menos nobres.

De fato, essa tendência começou já há um tempo em países como a França, como resposta à crise econômica e um certo esgotamento da pompa na restauração. Lá, o movimento foi chamado de bistronomie: uma combinação da simplicidade de ambiente e serviço do bistrô da esquina com a força criativa da gastronomie.

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Animou? Bem, veja os sem-toalha que destacamos abaixo. Não espere serviço cinco estrelas – claro, não aceite atendimento ruim. Mas a comida nesses lugares vale o que custa.

Batata-doce, do Jiquitaia. FOTO: Divulgação

JIQUITAIA Um dos pioneiros dessa nova leva de sem-toalhas, o restaurante comandado pelo chef Marcelo Correa Bastos tem a simplicidade no DNA: “Não queria montar uma casa que eu não frequentaria, com serviço formal demais, preços altos”, diz. Enquanto ele vigia tudo da cozinha, em que trabalham apenas mais quatro pessoas e de onde dificilmente arreda pé, sua irmã, Carolina, cuida do salão, onde os garçons são dois no jantar – que costuma receber em torno de 30 pessoas – e três no almoço – servindo em média 80 pessoas. “É bastante trabalho. Mas o pessoal ganha um pouco acima do mercado”, diz Marcelo. Ele conta que antes abrir o Jiquitaia, no começo de 2012, leu uma matéria no Paladar sobre bistronomie, foi ver de perto a história em Paris, comprou o guia Le Fooding e voltou cheio de ideias. As quais, adaptadas à realidade local, traduziram-se em leituras certeiras de pratos tradicionais brasileiros. Por exemplo, o cozido de língua, caudaloso, primoroso. A fórmula fixa do cardápio, R$ 39 no almoço e R$ 59 no jantar (entrada, prato e sobremesa que mudam a cada dia), evita surpresas desagradáveis na hora de pagar a conta.

Não perca | cozido de língua na sexta-feira e o picadinho na terça-feiraPratos principais | de R$ 39 a R$ 59 (menu executivo, com entrada, prato e sobremesa)Onde | R. Antônio Carlos, 268, Consolação, 3262-2366

O saradonga do Almodovar leva vinho branco, suco de pera, xarope de maçã, morango e folhas de hortelã e blueberry. FOTO: Antonio Rodrigues/Divulgação

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ALMODOVAR O exagero da decoração flerta com a cafonice, no que, em princípio, era para ser uma referência ao universo multicolorido e intenso do cineasta Pedro Almodóvar. Mas estamos em um sem-toalha: importa menos o décor, mais a qualidade do que se come – simples, não simplório, – com preços que não sejam exorbitantes. E isso o restaurante espanhol Almodovar cumpre bem. Desvia-se de um cardápio basicão e manjado servindo coisas como barriga de porco cozida em baixa temperatura ou uma bochecha de boi no vinho tinto (textura perfeita, que brilha com uma pitada extra de sal). Há ainda as tapas e petiscos bascos, caprichados, uma boa opção para dividir e segurar a conta – que, no almoço, pode ficar ainda mais baixa no bom executivo, que sai por R$ 29.

Não perca | costeletas de cordeiro ao molho piquilloPratos principais | de R$ 33 a R$ 45Onde | R. dos Pinheiros, 274, Pinheiros, 3062-4455

Bigole feito no Ella e servido com ragu de pato. FOTO: Kiko Ferrite/Estadão

ELLA Este é um dos restaurantes-símbolo da geração sem-toalha pela relação entre a excelência da comida e os bons preços. Alex Romano, o chef e sócio da casa, trouxe do Fasano o costume de preparar a massa artesanal, todos os dias, para servi-la fresquinha e recheada. O cuidado com a seleção de ingredientes e a técnica apurada na execução dos pratos, da cozinha italiana, são notados no menu-executivo ou à la carte. Tudo bonito, saboroso, no ponto.

Instalada numa esquina no pedaço de Pinheiros que está ficando cada dia mais gastronômico, o Ella. é decorado sem grandes manifestações de estilo. Simples, correto, moderninho. Três garçons se revezam para atender as quinze mesas – quatro ao ar livre e as demais no salão. Algumas mesas são tão próximas que há dificuldade de colocar baldes de gelo e fica quase irresistível acompanhar a conversa ao lado. Mas o serviço é simpático e a comida vale a pena. No caso dos vinhos, em várias visitas um problema se repetiu: o rótulo está na carta, mas “acabou”.

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Não perca | agnolotti dal plin (R$ 30) e o melhor cannolo da cidade, recheado na hora com ricota, aroma de laranja e pistache (R$ 14)Pratos principais | R$ 28 a R$ 48Onde | R. Costa Carvalho, 138, Pinheiros, 3034-1267

Na cozinha do Esquina Mocotó, Rodrigo Oliveira faz uma comida benfeira, bem cuidada, que passa longe do óbvio. FOTO: Tiago Queiroz/Estadão

ESQUINA MOCOTÓ Quando abriu o Esquina Mocotó, Rodrigo Oliveira fez um movimento contrário ao dos demais sem-toalha. A nova casa significou sofisticação. Sim, a decoração é mais cuidada, contemporânea e despojada que a do Mocotó, o endereço original do chef.

Mas a sofisticação ali está mesmo é na cozinha, que tem forno combinado, thermomix, sorveteira italiana, entre outros equipamentos da gastronomia moderna. E está, principalmente, na combinação de técnica, elaboração e filosofia dos pratos do cardápio.

Ali, ao lado do restaurante que nasceu como uma casa de produtos do Norte aberta por seu pai, seu Zé, Rodrigo Oliveira faz cozinha brasileira, contemporânea, de autor, e à base de produto nacional. É comida benfeita, que passa longe do óbvio, chega à mesa com equilíbrio de sabores e bela apresentação, a preços razoáveis. Precisa mais? Está certo, a Vila Medeiros é longe, fora de mão, o trânsito até lá é ruim e a espera por uma mesa nos fins de semana é longa. Mas, quem gosta de comer, não pode deixar de conhecer.

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Não perca | a porcaria (R$ 39,90), tábua de embutidos variados à base de porco; tutano assado com vinagrete de língua (R$ 24,90) servido com pão de fermentação natural feito na casa (R$ 6,90). O copa braseado (R$ 36,90), e duas sobremesas, cajá-manga (R$ 14,90) e goiaba, goiaba, goiaba (R$ 14,90)Pratos principais | de R$ 34 a R$ 69Onde | Av. Nossa Senhora do Loreto, 1.104, V. Medeiros, 2949-7049

No Micaela, o ambiente é simples e todo o cuidado é dedicado à cozinha. FOTO: Divulgação

MICAELA Com pouco dinheiro para transformar uma casinha de esquina acanhada em restaurante, o chef Fábio Vieira descascou as paredes, instalou o bar debaixo da escada e foi inventando para conseguir abrir o Micaela com 40 lugares. São dois andares com ambiente muito simples, mas isso, no caso, não é defeito, é qualidade: o foco ali está na cozinha brasileira com toques criativos, pratos que chegam à mesa em cumbucas, copinhos, ardósia e louça simples. A comida, porém, não tem nada de improviso, é preparada com rigor técnico e bela montagem pelo chef que estagiou em lugares como D.O.M, Tordesilhas e Hoffman, em Barcelona.

Não perca | bife a cavalo, servido com ovo perfeito (aquele cozido a 63 graus) e chips de mandioca (R$ 40). E picadinho com arroz canastra (R$ 39)Pratos principais | de R$ 25 a R$ 70Onde | R. José Maria Lisboa, 228, Jd. Paulista, 3473-6849

A arquitetura do Edifício Paquita dá contornos modernistas ao salão do MoDi. FOTO: Márcio Fernandes/Estadão

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MODI A casa caçula da lista, aberta há um mês, é uma autêntica sem-toalha, pode-se dizer. É mais do que um restaurante de bairro e menos que um restaurante para ocasiões especialíssimas. A casa nasceu da empreitada conjunta de dois casais amigos que põem a mão na massa e um sócio investidor. Os donos do negócio, que bolaram o conceito do restaurante depois de muita conversa e uma viagem à Itália, estão sempre presentes, seja no salão, seja na cozinha – exígua em espaço, diga-se, onde trabalha o chef Diogo Silveira. A fórmula aqui segue a da restauração de qualidade, sem afetações, eficiente: equipe reduzida, pouco aparato à mesa, foco nos ingredientes e nos pratos.

O cardápio é de inspiração estritamente italiana – e oferece diversas boas alternativas. Há massas produzidas na casa, delicadas e bem feitas, carnes e peixes, miúdos como fígado e língua que mudam a cada semana, sanduíches à tarde, além de bons embutidos artesanais e queijos. A cereja no bolo é o lugar em que o restaurante está instalado: o térreo do Edifício Paquita, uma das relíquias da arquitetura paulistana, com vista para a arborizada Praça Buenos Aires, em Higienópolis.

Não perca | a entrada de polenta e cogumelos – e a vista da praça do mezaninoPratos principais | de R$ 28 a R$ 48Onde | R. Alagoas, 475, Higienópolis, 3564-7031

Salão para 34 pessoas era uma garagem. O fogão veio de sucata garimpada e reformada. FOTO: Alex silva/Estadão

ALMA O Alma abriu a porta da sua garagem para as Perdizes no começo deste ano com poucas mesas, poucos garçons (hoje, só uma cuida do diminuto salão – na verdade, um corredor) e apenas duas ou três opções para cada categoria do cardápio – petiscos, entradas, massas, principais e sobremesas. A cozinha fica a cargo de Ivan Achcar, ex-Casa da Fazenda, Um cuscuz paulista na cumbuca (um pouco seco demais…), encimado por um cordeiro cozido no vinho tinto é prato de resistência do menu. A casa tem algumas gentilezas simpáticas: água de graça, taça de vinho a R$ 10, tiradas das garrafas que são vendidas a preços de loja no próprio restaurante.

Não perca | o clima “lá em casa” e petiscos com as pimentas do chefPratos principais | de R$ 22 a R$ 38Onde | R. João Ramalho, 1.489, Perdizes, 2835-1108

Mix de embutidos do absolutamente espanhol Museo Veronica. FOTO: Tiago Queiroz/Estadão

MUSEO VERONICA – Boa tarde, vocês fecham a que horas hoje? – Às 4, mas nem adianta vir, está muito cheio. Não dá mais.

Eram 13h30 do domingo e na voz de sotaque espanhol do atendente não havia qualquer sinal de má vontade. Desde que abriu as portas, em Moema, há quatro meses, o Museo Veronica está bombando. Tanto que, nesta semana, passou a abrir as portas também às segundas-feiras.

O lugar leva tão a sério a decisão de ser um sem-toalha que não há nem jogo americano. O ambiente é bem charmoso, com chão claro, madeiras pretas e paredes decoradas em tons de vinho. Ao fundo, música espanhola moderna. Mas o salão tem um grave problema de exaustão, que faz com que se note cada porção de croquetas sendo fritas. Uma pena.

A ideia ali é começar pelas tapas, acompanhadas de uma copa de Cava ou Jerez. Dá para se divertir com as miudezas a noite toda. Mas o cardápio tem alguns pratos.

Não perca | a tortilla úmida e delicada (R$ 7) e a delícia de bacalhau, combinação de bacalhau desfiado com purê de batata (R$ 32)Pratos principais | de R$ 23 a R$ 32Onde | R. Tuim, 370, V. Uberabinha, 5051-2654

FOTO: Felipe Rau/Estadão

TONTON Com o perdão da infâmia: o TonTon acerta o tom. O restaurante que abriu no finzinho do ano passado mantém-se afinado na proposta de oferecer comida boa e serviço descomplicado. Claro, os poucos meses de funcionamento ainda não permitem que a casa tenha atingido a harmonia total: o pessoal do salão ainda hesita um tanto, o que prejudica um pouco a vida do cliente.

Mas o que vai no prato (sobre uma mesa sem toalha, evidentemente, e mesmo sem jogo americano) tem regularidade e personalidade. As coisas do mar têm um tratamento especial: a não trivial pescada-cambucu – tenra, sobre um arroz negro bem feito e beurre blanc, saborosíssima– é um dos sete pratos principais da enxuto cardápio. O chef, Gustavo Rozzino, com passagem por restaurantes estrelados na Europa, diz ter tido a sacada para seu negócio depois de ver de perto a onda da bistronomia na França. Ficou duas semanas no Le Chateaubriand em Paris: “Pensei: este o tipo de restaurante que eu quero ter”.

Ele diz que ter conseguido um aluguel mais baixo, ter equipe menor – na cozinha e no salão – e pouco estoque foi o que lhe permitiu ter um preço justo, como diz, “nem caro, nem barato – honesto: determinado com base diretamente nos custos”. É é digna de nota a gentileza de servir água filtrada de graça, à francesa.

Não perca | a pescada-cambucuPratos principais | de R$ 32 a R$ 59Onde | R. Caconde, 132, Jd. Paulista, 2597-6168

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Falta combinar com o vinho Nem sempre nos sem-toalha os vinhos estão em harmonia com os cardápios no quesito preço. E, uma pena, o cuidado com os pratos não se repete com os rótulos: as cartas, além da seleção restrita, têm erros de grafia do tipo Menzonda, quando o nome da região vinícola argentina é Mendoza; e cartas exclusivas de uma importadora, não resultam em preços mais baixos. O lado bom? Alguns não cobram taxa de rolha (a casa permite que o cliente leve o vinho e não cobra por isso). Caso do Le French, do Museo Veronica e do Jiquitaia. Outros cobram taxas abaixo de R$ 30. Apenas o Almodovar destoa e cobra R$ 50 de rolha. Ah, e um aviso: a taxa de rolha já é uma taxa de serviço, portanto, não pode ser acrescida dos 10% tradicionais. (Por Marcel Miwa)

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 20/3/2014

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