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Restaurantes e Bares

Um chá cingalês com Mr. Fernando

Aos 82 anos, Merril J. Fernando, fundador e dono da Dilmah Tea, tem cara de sábio. É uma figura imponente, de gestos comedidos e a paciência infinita de quem já viu e ouviu muito na vida. Mas que ninguém se engane pela aparente tranquilidade: ele está no comando, como se nota claramente pelas ordens discretas dadas a todo mundo. Fernando é o homem que salvou o chá do Ceilão da vala comum – transformou o chá banal em produto de desejo.

Um chá cingalês com Mr. FernandoFoto:

Ele esteve no Brasil na semana passada, para divulgar seus produtos que passam a ser importados pela Casa Flora (11 2842-5199) e tivemos um encontro rápido em um chá da tarde no Hotel Emiliano, com sanduíches de pepino, tortas e docinhos, como obriga a tradição. O chef preparou sobremesas com chás (arroz doce com Earl Grey foi uma delas, ótima). Durante o chá, Mr. Fernando contou sua história, que se mistura com a do chá do seu país, um dos melhores do mundo, embora menosprezado por colonizadores e esmagado pelo vizinho poderoso, que conseguiu o nome mais reputado – a Índia.

O país foi colonizado desde 1510, primeiro pelos portugueses (“por isso meu sobrenome”), depois, espanhóis, indianos, franceses e os ingleses. Foi sob o longo período britânico que o chá prosperou, mas vendido a granel e misturado a outros chás para baratear o produto. O chá cingalês não chegava como devia aos bules europeus. “Duas toneladas de chá a granel se transformavam em cinco na Inglaterra, o que sumia com a qualidade do nosso chá e maculava o nome do país”, explicou.

O Ceilão ficou independente após a 2.ª Guerra e virou Sri Lanka. Mr. Fernando, degustador profissional e selecionador de chás para compradores internacionais, decidiu que o chá local merecia ser tratado com cuidado e passou a usar sua expertise para produzir e vender o próprio chá, fundando a companhia que tem o nome dos filhos Dilhan e Mahlik (Dil-Mah). Assim, mostrou que a Camellia sinensis no Sri Lanka pode ser tão boa quanto a das plantações mais valorizados do mundo.

Cingaleses. Merril J. Fernando, da Dilmah Tea, ensina: ‘Chá tem terroir e pode ter safra’. FOTOS: Divulgação

Na apresentação, provocou o Brasil, sugerindo seguir o caminho do chá: “Vocês têm o melhor café e são os maiores produtores, por que não há um marca que represente o café brasileiro de qualidade para o mundo?”.

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Como sou do vinho, explicou fazendo analogias com as castas de uvas: “Na planície está meu Cabernet Sauvignon, acima meu Merlot, o Pinot Noir ainda mais acima e nos vales mais altos e frios está meu silver tip Imboolpitiy (um tipo de chá prateado caríssimo, feito da ponta das primeiras folhas inteiras brotadas, de uma só origem, algo como um Grand Cru, tem a aparência de agulhas de prata e é um chá branco muito disputado por conhecedores). É como se fosse meu Chardonnay”. Foi pedagógico. Ele se deliciou explicando: “Chá tem terroir, taninos, sazonalidade, pode até ser safrado, e alguns envelhecem muito bem. E dá grandes harmonizações com comida”.

Para melhorar a compreensão sobre a bebida e suas possibilidades na gastronomia, fundou com Paul Bocuse as Écoles du Thé em 2009. Uma delas fica no Sri Lanka e trabalha com sommeliers e especialistas; a outra em Lyon, dentro do Institut Bocuse, focada no uso gastronômico dos chás.

Provei o ótimo Earl Grey, gostei muito do English Breakfast (R$ 10,59 a caixa de cada um, com 25 sachês; os outros chás ainda não são importados pela Casa Flora) e de um delicado blend, com mistura de laranjas e bergamota, chamado Mediterranean Mandarin. Mas o mais delicioso, para quem gosta de chá sem interferências, nem leite, nem açúcar, foi o Ceylon Young Hyson, bem concentrado e laranja-escuro, pelas folhas quebradas, profundo, com taninos macios, muito equilibrado. Apesar de forte, tenho bebido litros.

>> Veja a íntegra da edição do Paladar de 24/10/2013

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