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Conheça a farinha de raspa, mais um produto da mandioca

Feita com as aparas de mandioca seca e triturada, a farinha anda fazendo sucesso nos Estados Unidos com nome de 'cassava flour', usada como substituto ao trigo que contém glúten

Acabo de voltar do Piauí e a cada viagem que faço por estes rincões do Brasil descubro, maravilhada, diferentes subprodutos da mandioca ou nomes regionais para um mesmo produto. Aprendo também com os seguidores virtuais de todo o País. 

Há dois anos, mostrei no meu blog como fazer farinha de raspa e acabei aprendendo mais com os comentários do que já sabia. A leitora Vanilda Fernandes Firmo contou que em Lagoa Formosa, Minas Gerais, faziam a farinha com os toquinhos que sobravam da ralação. Estas aparas eram secas ao sol e depois socadas no pilão. O que restava na peneira voltava para o pilão e era socado até restar só a farinha finíssima e polvilhada que podia substituir o trigo em bolos e biscoitos.

Outra pessoa, também de Minas Gerais, diz que a mãe fazia esta mesma farinha, a que chamava de “para” ou farinha de apara e, com ela, preparava pães e bolos deliciosos. 

Farinha de raspa de mandioca Foto: Neide Rigo/Estadão

Já não me lembro quando foi meu primeiro contato com ela, acho que o interesse nasceu de uma visita a uma aldeia Guarani anos atrás, quando comi chipás, umas panquecas grossas e fritas – eram feitas à base de farinha de mandioca e, em vez de óleo, usavam gordura de yxo, a larva de palmeiras. Não foi difícil chegar à farinha de mandioca usada pelos Guarani (que sempre tiveram o milho como alimento principal). No livro Etnografia de los Guarani del Alto Parana (Muller, P. Franz, Caea Editorial, 1989, Buenos Aires), entre os modos de preparo da mandioca a farinha de raspa está lá. 

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Pelo fato de ser uma farinha crua e integral, já que só a umidade é extraída das raízes, o amido tem comportamento diferente da farinha de mandioca de mesa, que é sempre torrada ou cozida nos tachos, com amido já gelatinizado. 

A farinha de raspa dá mais liga à massa, sem ser grudenta como o amido puro, pois tem o equilíbrio das fibras. Por isso, no passado, foi usada para substituir o trigo, pelo menos em parte, na panificação e daí vem seu outro nome “farinha de mandioca panificável”. 

E esta farinha já esteve em destaque. Em maio de 2017, a seção Há um século do Estado trazia o seguinte trecho extraído do mesmo dia cem anos antes: “Mandioca – A questão alimentar em boa hora posta nos devidos termos pelo diretor paulista da Liga da Defesa Nacional tem encontrado estudiosos que procuraram resolvê-la pelo aproveitamento de material puramente brasileiro. Cabe-nos o prazer de noticiar um processo novo para o fabrico de farinha de mandioca, panificável e de conserva garantida.” 

A raspa da farinha de raspa Foto: Neide Rigo/Estadão

A farinha guarani volta à cena, agora pela repulsa ao glúten. Num mesmo momento em que a farinha de raspa é usada principalmente como ração, outro nicho se abre para ela: a farinha de raspa é a mesma cassava flour encontrada nos mercados nacionais e internacionais de gluten free. Ou seja, a mandioca desidratada e finamente triturada, muito usada no passado, pode voltar a ser fonte importante de renda para produtores da agricultura familiar que ainda não se deram conta do valioso recurso.

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Por isso, sempre que encontro uma cooperativa que produz farinha, tento convencê-los de que deveriam também produzir a farinha de raspa e mandá-la para o mercado numa nova roupagem. Ela pode substituir o trigo em vários pratos e inclusive tem o mesmo aspecto – fininha e branca. Diferente da farinha de mandioca de mesa, conserva todo o amido original e, melhor que o polvilho que é o amido isolado, conserva todas as fibras sem ser granulada. Para fazer pão, já não é tão fácil, mas em pão de forma ou pães chatos como tortillas além de massas de biscoito e tortas pode substituir o trigo integralmente. 

Tortilla de farinha de raspa Foto: Neide Rigo/Estadão

Talvez você encontre esta farinha nos mercados de produtos sem glúten, nacionais e internacionais, sob o nome de cassava flour, farinha sem glúten ou farinha de mandioca crua. Procure saber como é feita. Se a mandioca foi seca ou desidratada e triturada finamente, é a farinha de raspa. A cassava flour que faz sucesso nos Estados Unidos nada mais é que a farinha de raspa do Brasil.

Faça farinha de raspa em casa

Se não encontrar a farinha de raspa, faça, desde que tenha acesso ao sol. A minha faço assim: ralo a mandioca mansa (macaxeira, aipim) grosseiramente no processador, depois espalho sobre um pano limpo e deixo uns dois dias sob o sol. Vou virando e revolvendo até secar bem e ficar quebradiça. Depois, trituro no liquidificador aos poucos, peneiro e guardo o pó branco e fino. Para fazer massas de torta, bolos ou biscoito, basta substituir a farinha de trigo por farinha de raspa. 

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